1.6.05

A arte do risco...


Mark Tobey, Sem Título, 1959

Li recentemente, numa entrevista que ele deu a "Os Meus livros" (revista mensal), que António Barreto não suporta livros riscados, sublinhados ou anotados por outros, nem gosta ele próprio de riscar ou anotar os seus. Para isso, usa um caderninho à parte. É uma técnica "mais ecológica", segundo ele.

Eu, farto da ecologia politicamente correcta que tende a minar tudo e todos, senti-me ofendido. Sempre risquei, sublinhei e anotei os meus livros. Por isso, sinto-me como os fumadores a quem repetem até à náusea que o tabaco mata, que estão a (a)riscar a vida. Que não é uma coisa ecológica!

Houve quem defendesse que é nas "margens" que habita o que vale a pena ("Jacques Derrida, Margens da Filosofia). Anotar na margem é torná-la o centro do nosso interesse, a alma do negócio. É fazer êxtimo do exterior.

Ao riscar, (a)rriscamo-nos, pois nem todos riscam da mesma maneira. A arte de riscar é uma marca de singularidade. Pollock, por exemplo, só nasceu como artista no dia em que deixou de fazer coisas sérias, segundo a maneira como fazem todos, e passou a riscar à sua maneira. Arriscou...

Sinto-me tentado a corrigir o adágio: "quem não risca, não petisca!"

Ou então: "diz-me como riscas e dir-te-ei quem és!"

Arriscado?!

2 comentários:

Igor Lobão disse...

Gostaria de partilhar a minha solidariedade pois também eu pratico a arriscada arte do risco.

Anónimo disse...

Arriscado...
Arriscado ter opinião sobre o assunto...
Arriscado falar do assunto...
Arriscado ser taxativo no assunto...
Arriscado misturar riscos com risco...
Arriscado comentar a validade do risco (no livro, naturalmente)...
Arriscado riscar as ideias de outrem, riscadas no horizonte de um mundo pessoal...

Pronto, mas corro o risco (sem lápis ou caneta, claro) e aqui vai um breve comentário, só para dizer que, neste mundo de riscar livros, entre o risco monótono e o colorido, o fosforescente grosso e o mais fino, o traço regulado e o mais nervoso, há dois modos distintos de riscar (que, por sua vez se subdividem noutras formas particulares): além daquele comummente realizado - riscar por baixo, como forma de seleccionar ideias, auxiliar a memorização, etc. - há um outro muito mais sublime, muito mais necessário, muito mais apetecível, muito mais actual, que é riscar as próprias palavras e as ideias - assim mesmo, um risco por cima - como se as quiséssemos banir do livro e do mundo!
Ultimamente, tem-me chegado à mão muita literatura potenciadora desta nova forma de riscar. Na prática, às vezes para evitar gastar tanto lápis, risco pura e simplesmente a leitura do mapa!

E tenho-me dado bem com a prática.

Já agora, dêem uma vistinha de olhos ao http://www.tristefardoserportugues.blogspot.com/