27.6.05

O que é aquilo ali?


João Cutileiro, Memorial ao 25 de Abril

No alto do Parque Eduardo VII, há, desde há alguns anos, uma obra polémica do escultor João Cutileiro. O que é aquilo ali, perguntavam-se as pessoas por entre um misto de troça e perplexidade? A resposta mais óbvia era, naturalmente: "Aquilo é um pénis".

Mas há uma diferença entre "aquilo" e um pénis. O órgão, como sabemos, murcha após a erecção; aquilo não murcha. Por isso, mais valera chamar-lhe "o-sempre-em-pé". No entender de João Cutileiro, o 25 de Abril é comparável a uma erecção de liberdade que se deseja sempre em pé. Não fosse o "real" do tempo, que tudo muda e transforma em ruína, e assim seria.

Mas "aquilo" não é apenas a "coisa" da cópula ou a "imagem" da erecção, é também o "símbolo" que representa, que diz outra coisa que não está lá, significante para nós, portugueses, de um momento de "corte", de ruptura. Daí o nome com que foi baptizado: "Memorial", isto é, digno de ser retido na memória.

Seja como for, aquilo faz falar ou faz calar. Há os que não cessam de falar disso e os que não cessam de não falar. (Ainda há pouco tempo, durante a feira do livro, tive essa experiência). É a prova de que aquilo não é um "pénis", mas um "falo", isto é, a prova de que nos seres humanos, a sexualidade (pois é disso que se trata e não de outra coisa, como mostra grande parte da criação deste escultor) é indesligável da "fala". É pelo sopro da fala que outro valor mais alto se alevanta para além da pedra bruta. Esculturação da palavra no mármore da carne.

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