22.6.06

O mito de Adam


A televisão - e não os poetas "cegos", como Homero ou Borges - é hoje a maior criadora de mitos. Talvez a palavra certa não seja criadora, mas fabricante. Na verdade, só os poetas criam; a televisão limita-se a "recriar", a fabricar.

Francisco Adam, o jovem actor falecido há algum tempo atrás, tinha tudo, diz-se, para vir a ser um mito. Até morreu cedo, como James Dean. O tempo encolhe a aura enquanto estica as rugas. Daí que seja necessário morrer cedo para subir às alturas.

Francisco Adam subiu às alturas, mas deixou, no corpo inerte, algumas relíquias: vestígios de cocaína, anfetaminas, cafeína. Sob o mito, um nada que era tudo para um sem número de admiradores, saltou à vista - embora não lhe fosse dado grande visibilidade - que também esse puto cultivava, em segredo, os seus "jardins proibidos", os seus "paraísos artificiais".

O fascínio era o "manto de noé" que cobria o "real" humano, demasiado humano, deste puto erigido em mito graças ao poder da televisão.

15.6.06

O poder da bola


Anda toda a gente doida com a bola. Durante aproximadamente um mês, se as coisas não derem para o torto mais cedo, quase ninguém pensa em mais nada. Parafraseando o poeta, não há machado que corte a raiz ao pensamento...da bola.

Até os políticos - da direita à esquerda, passando pelo centro - andam loucos com a bola. Na verdade, a bola está do seu lado. É a bola do poder. E eles sabem disso.

A prová-lo está um documentário que eu tive oportunidade de ver, há algum tempo atrás, num canal televisivo sobre a forma como o poder da "outra senhora" (curiosa forma de falar de um homem!) aproveitava os grandes desafios de futebol para celebrar o regime. Mudaram-se os tempos, mas permaneceu uma assutadora semelhança nos modos de proceder.

A bola tem o poder - num país em que nada acontece, nada se inscreve - de desviar, entreter ou ocupar o pensamento e anestesiar-nos o ser. É uma espécie de "naco de gozo" - e uma bola não é mais do que isso - que resta a quem não resta grande alegria no presente e esperança no futuro.

Passado um mês - ou até menos, se perdermos - tudo continuará igual: triste e cinzento. Não um Outro Portugal (segundo o nome que deu título a um seminário que José Martinho tem vindo a animar, durante todo este ano lectivo, no Centro de Estudos de Psicanálise, Universidade Lusófona), mas o mesmo de sempre.

A não ser que o poder da bola faça algum milagre!

1.6.06

Eles e elas

Há um programa na Sic Mulher em que eles falam delas, as mulheres, e elas falam deles, os homens.

Cada um dos sexos monologa, isto é, fala sozinho sobre o outro sexo.

Sem o outro sexo.

Eles falam da dificuldade de falar com elas.

Elas falam da dificuldade de falar com eles.

Entretanto, sobre esta não-relação, vai-se edificando, apesar de tudo, uma satisfação que reside na própria fala. Se não, como explicar que o assunto perdure, que teime em durar, programa após programa, se aquilo de que uns e outros se queixam é de que a coisa não anda entre eles?