29.6.05

A verdade e a mentira

Segunda-feira, no programa da RTP1 que se chama "Prós e contras", um dos intervenientes - Medina Carreira - recebeu aplausos da platéia quando, num tom convencido emproado, de quem é dono da verdade, disse mais ou menos isto (cito de memória): As coisas só vão andar quando for dita a verdade, toda a verdade, e não a mentira às pessoas.

Uma tal declaração cai bem nos tempos que correm. É louvável. Porém, importa saber, antes de mais, se é possível dizer toda a verdade.

Todo aquele que faz ou já fez, por exemplo, uma psicanálise, sabe, por experiência própria, que dizer toda a verdade é o mais difícil, se não mesmo impossível. A verdade escorrega como areia por entre as palavras. Ao dizer a verdade, mentimos. Falar é co-mentir a verdade. A estrutura da verdade é a ficção (Lacan).

Se não acreditam em mim, aqui fica o testemunho de alguém que me supera, de longe, na arte de bem-dizer :

VERDADE

"A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.

"Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E a segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
se capricho, sua ilusão, sua miopia." (C. Drummond de Andrade)

27.6.05

O que é aquilo ali?


João Cutileiro, Memorial ao 25 de Abril

No alto do Parque Eduardo VII, há, desde há alguns anos, uma obra polémica do escultor João Cutileiro. O que é aquilo ali, perguntavam-se as pessoas por entre um misto de troça e perplexidade? A resposta mais óbvia era, naturalmente: "Aquilo é um pénis".

Mas há uma diferença entre "aquilo" e um pénis. O órgão, como sabemos, murcha após a erecção; aquilo não murcha. Por isso, mais valera chamar-lhe "o-sempre-em-pé". No entender de João Cutileiro, o 25 de Abril é comparável a uma erecção de liberdade que se deseja sempre em pé. Não fosse o "real" do tempo, que tudo muda e transforma em ruína, e assim seria.

Mas "aquilo" não é apenas a "coisa" da cópula ou a "imagem" da erecção, é também o "símbolo" que representa, que diz outra coisa que não está lá, significante para nós, portugueses, de um momento de "corte", de ruptura. Daí o nome com que foi baptizado: "Memorial", isto é, digno de ser retido na memória.

Seja como for, aquilo faz falar ou faz calar. Há os que não cessam de falar disso e os que não cessam de não falar. (Ainda há pouco tempo, durante a feira do livro, tive essa experiência). É a prova de que aquilo não é um "pénis", mas um "falo", isto é, a prova de que nos seres humanos, a sexualidade (pois é disso que se trata e não de outra coisa, como mostra grande parte da criação deste escultor) é indesligável da "fala". É pelo sopro da fala que outro valor mais alto se alevanta para além da pedra bruta. Esculturação da palavra no mármore da carne.

25.6.05

Ironia ou cinismo?


Qual é o burro?

Oliviero Toscani (ex-director de arte e fotógrafo da Benetton) esteve recentemente em Portugal a fotografar...burros. Porque veio ele a Portugal?

Não é, de resto, a primeira vez que o polémico e arrojado fotógrafo está no nosso país. Em 1974, segundo conta, ficou impressionado ao contemplar uma mulher com um burro. Daí nasceu o desejo, algo bizarro, de elevar o burro à categoria de ícone e modelo. Se Duchamp elevou o objecto banal (urinol, roda de bicicleta, pá, etc.) à dignidade da Coisa artística, por que razão não se há-de fazer o mesmo com os burros, enquanto eles existem?

Foi o instinto que trouxe o fotógrafo até Portugal e o conduziu a Miranda do Douro - terra de burros...em extinção. Seria necessário ir tão longe?

O resultado dessa visita - setenta imagens de burros - foi apresentada na quinta edição do Imaginários - Festival Internacional de Teatro de Rua de Santa Maria da Feira.

O fotógrafo explicou, com ironia, que "num mundo cada vez mais tecnológico, a única cabeça que ainda funciona é a dos burros. Reparei no olhar inteligente destes animais. Penso que todos deveríamos voltar a sentir estas sensações".

Coragem, portugueses, estamos no bom caminho!

24.6.05

Fazer as malas


Tadeusz Kantor, Edgar Warpol: O Homem com Malas, 1967-8

Perante o "quadro negro" que tem sido pintado, nos últimos tempos, pelos artistas da prestidigitação, há já quem pense em fazer as malas e ir para fora. Houve até colegas a sugerir-me, segundo uma tese bem marxista, que não é a hora de pensar, mas agir, de fazer a revolução.

Ir para fora lá fora, não é algo muito novo em Portugal. Sempre fomos para fora como marinheiros, emigrantes, turistas (menos), etc. Mas ir para fora cá dentro - como dizia um anúncio há alguns anos - é mais difícil e não muito habitual. Sobretudo quando lá fora cá dentro, não implica uma deslocação do corpo, mas antes uma subversão do sujeito.

É preciso fazer a subversão!

"Atopia" vai dando o seu modesto contributo.

23.6.05

Portugal: um quadro negro


K. Malevitch, Quadrado Negro Sobre Fundo Branco, 1915

Nunca um quadro abstracto foi tão concreto e figurativo!

21.6.05

Agir ou não agir

Hamlet é o exemplo perfeito do sujeito que vacila no seu acto porque sabe, lá no fundo, que é ele mesmo o visado.

Perante os recentes acontecimentos na área da grande Lisboa e não só (arrastões nas praias, crimes, onda de de assaltos, etc.) e a reacção hesitante das entidades competentes (governo, polícicia, etc.), fiquei a pensar: porque há este sentimento geral de que a resposta dada por parte destas entidadesé sempre vacilante, como se houvesse uma culpa "inconsciente" a tolher os passos, as decisões, e a impedir de agir?

Só vacila quem se sente, de alguma forma, dividido, culpado.

O que é certo é que a ausência de uma resposta adequada, justa, por quem de direito só pode levar a que cresçam as respostas fora-da-lei (vejam-se as milícias, o recrudescimento de grupos de extrema direita) com consequências, no mínimo, imprevisíveis.

É preciso responder à altura, agir sem vacilar.

Negros, brancos, mulatos, claros, escuros, etc., são todos iguais - na sua diferença - perante a lei. Por isso, devem ser tratados de forma igual. Ao "desculpar" um delito a este ou àquele devido à cor da pele, é a primeira forma de "racismo" e discriminação. Ao desculpar os jovens porque...são jovens é o primeiro floco para a bola de neve.

Não se trata de "desculpar" o sujeito, seja ele qual for, porque, antes de mais, somos todos culpados. Ao menos, "no inconsciente".

17.6.05

A paixão da avaliação

Há palavras assim: parecem mágicas, capazes de abrir todas as portas, de resolver todos os problemas. A "avaliação" é uma dessas palavras. Por tudo e por nada, diz-se: "há que avaliar!"

Quando alguém diz, por exemplo - como tem sido o caso nos últimos dias - que os professores têm de ser avaliados (o que, na essência, ninguém contesta) é importante saber quem fala e qual a posição "subjectiva" (pois nunca é neutra, contrariamente ao que se pretende fazer crer) de onde se fala; em nome de que critério ou critérios supostamente "objectivos"; com que finalidade "estatística"...etc.

Depois de responder a todas estas perguntas - e as demais que possamos formular - não será difícil concluir que a bandeira da avaliação é agora empunhada por aqueles pelos mesmos que, em outros tempos, empunharam a bandeira da "educação": a famosa "paixão da educação" que deu no que deu, isto é, em nada. Como em todas as paixões, o entusiamo é directamente proporcional à cegueira, ainda que inversamente proporcinal ao tempo, ou seja, quanto maior é o tempo, menor a chama.

"A avaliação é esencialmente uma retórica. Os avaliadores são os sofistas de hoje" (Cf. Jacques-Alain Miller e Jean Claude Milner, Voulez-vous être évalué?, Paris: Édition Grasset, 2004).

A "avaliação", que começa a fizer sintoma, é um fantasma "moderno" na era pós-moderna.

A "singularidade" não se avalia e uma cultura que deixe de cultivar a singularidade (em que tudo seja mensurável segundo uma medida comum) já está, num certo sentido, morta.

16.6.05

Fazer silêncio!


Ed Ruscha, Noise, 1963

Quando se "escuta" a obra de Jonh Cage 4'33, o que se "ouve" ao longo de quatro minutos e trinta e três segundos não é o "silêncio", mas o som, o ruído ou o barulho de tudo o que acontece à volta. Fazer silêncio durante um certo tempo é um convite a "escutar", de novo, o que é velho para os nossos sentidos.

Em psicanálise, também se faz silêncio. E o que é mais paradoxal é que esse silêncio pode ser o que fala mais alto, o que é mais ensurdecedor.

Fazer silêncio é o coração da fala, a que só o parlêtre (o ser falado e falante) tem acesso. Os "papagaios" podem falar, imitar a fala (até certo ponto, claro), mas não podem fazer silêncio.

Cunhal e o papa

Não há aparentemente nada mais diverso e incompatível entre si que "catolicismo" e "comunismo". Entre o sumo pontífice dos católicos (o santo padre) e o sumo pontífice dos comunistas portugueses (Cunhal) parece não haver mais proximidade que entre a água e o azeite.

E, no entanto, ao ver, por estes dias, a multidão a aclamar o pai-morto (veja-se, por exemplo, a imagem que vinha hoje no Público), a compará-lo a Cristo (só faltou crucificá-lo, como dizia alguém, emocionado, no Fórum da TSF), a pedir que seja elevado a "santo"..., reconheci nisto algo de déjà-vu.

Deixando de lado as "pequenas diferenças", o que move uns e outros parece ser mais comum do que se imagina (do que imaginam os próprios) e religá-los todos - segundo a etimologia da palavra religião - num mesmo "ideal": humano, demasiado humano.

No inconsciente, os extremos tocam-se. Cristo: o primeiro comunista. Cunhal: o último Cristo.

O desejo do outro

Parafraseando José Gil, poderíamos dizer que nós, portugueses, temos um certo "medo de existir" sem um espelho que nos reflicta e onde nos possamos rever e comparar.

É actualmente "in" a comparação com finlandeses, irlandeses e outros "eses" quejandos, como se eles fossem um espelho que reflecte as nossas imperfeições e, ao mesmo tempo, um modelo a seguir que nos serve de referência.

No fundo, os outros (países) somos nós "idealmente" considerados: revemos-nos neles, constituímo-nos neles a através deles. Eles são, para nós, uma espécie de "eu-ideal", colectivo, especular.

O nosso desejo - como diria Hegel - é o desejo do outro. Eis a nossa costela "histérica": moldamos-nos facilmente, aparentemente, ao desejo do outro, ainda que, lá no fundo, isso não nos diga "nada".

E assim evitamos confrontar-nos com a única pergunta que vale a pena: o que queremos fazer de nós, para nós, singulares que somos, independentemente do que os outros, mais decididos, quiseram para eles.

15.6.05

A Coisa


Zoran Music, quadro da série "Não somos os últimos", 1973

"Contar bem, quer dizer: de maneira a fazer-se ouvir. Tal não se consegue sem um pouco de artifício. O quanto baste para que isso se torne arte" (Jorge Semprun, A Escrita ou a Vida)

Humano, demasiado inumano

Quando se comemoram os 60 anos da libertação de Auschwitz (que não teve piada nenhuma, apesar do nome) e da "queda" do regime Nazi, vale a pena reflectir um pouco. O pretexto destas reflexões é o filme do alemão Oliver Hirschbiegel, "A Queda" (der Untergang); filme que passou recentemente nas salas de cinema, com um desempenho magistral de Bruno Ganz no papel de Hitler.

1. A "grandeza" deste filme intenso, embora polémico (os críticos não chegam a acordo sobre a qualidade do mesmo) reside no facto de conseguir misturar o humano com o inumano. Não nos apresenta uma besta fria, como estávamos à espera; pelo contrário, as cenas inciciais são quase ternurentas. A atitude compreensiva de Hitler para com a secretária, bem como os gestos carinhosos para com o cão, chegam a ser comoventes. Daí que se torne mais poderoso o efeito horrível da frieza e exaltação que move a máquina de morte, robotizada, banalizada (como se o mal pudesse ser banalizado, como sugeriu H. Arendt) que nos vai sendo progressivamente revelada.

2. Numa passagem do filme, quando a queda, inevitável, está iminente, Hitler fala da decadência das democracias ocidentais enquanto rejubila com a observação da maquete (na sua imponência clássica) do que seria a "reconstrução de Berlim" após o fim da guerra. A passagem é ética, estética e politicamente ilustrativa. Com efeito, entre outras coisas, o que combatia Hitler nas "democracias ocidentais" era a sua imperfeição. Paradoxalmente, é esta a sua vantagem relativamente a outros regimes. Não é um regime perfeito, longe disso, mas um regime que coabita, que aceita a imperfeição do mundo e do ser humano (diferentemente do nazismo ou do comunismo, Hitler e Staline irmanados, apesar de estarem em campos opostos).

3. O filme é supostamente baseado nas memórias da secretária de Hitler e concentra-se, por inteiro, nos últimos dias antes da queda do regime, quando as tropas russas já cercam Berlim por todos os lados. Há, no fim, uma frase da ex-secretária que dá sentido, après-coup toda uma vida e a todo o filme. Diz ela - cito de memória: "ser jovem não é desculpa". Ela era uma jovem quando conheceu Hitler, tinha apenas 22 anos, não queria saber, como os demais. É uma espécie de mensagem voltado para o presente e o futuro. "Aquilo" aconteceu uma vez, ali, pode voltar a acontecer noutros lugares; não, talvez, da forma que se teme - pois as coisas nunca se repetem da mesma forma -, mas segundo novas manifestações igualmente horríveis. O "real" é impossível de prever e espreita onde menos se espera.

4. Sendo baseado nas memórias de alguém, o filme situa-se num lugar intermédio entre o real e a ficção. Não abdica inteiramente do "amor da verdade", mas sabe igualmente que se trata de uma "construção" ou "reconstrução" sobre o "real". E é aqui que a questão se coloca: é ou não legítimo (e possível) que a ficção se aproprie da verdade "horrível" da Coisa mesma?

5. A Coisa- para dizê-lo assim -é o que deve, segundo alguns, permanecer sem nome, inominável. É o que pensam todos aqueles que sobre o "holocausto", por exemplo, consideram, não sem paradoxo, que os únicos e verdadeiros testemunhos seriam precisamente aqueles que não podem testemunhar porque não sobreviveram. Com a sua morte, todo o testemunho parece ferido de "culpa", de "inautenticidade". Por isso, como dizia o filósofo Wittgenstein, devemos calar-nos sobre o que é impossível de dizer. Mas não era isso, precisamente, o desejo, mais ou menos inconfessado, do nazismo: que todos se calassem sobre "isso" ...que jamais aconteceu?

6. Ao calar-se sobre o "real", o que se perpetua é a "forclusão" (Lacan), a "não-inscrição"(José Gil) do mesmo. E, além, disso, o que acontecerá quando todos os "testemunhos" vivos da Coisa tiverem desaparecido para sempre? Quem fará, então, a pergunta inevitável: como foi possível? Quem avivará a memória dos jovens - que já começam a perdê-la -, para que eles não venham depois lamentar que "não sabiam de nada". Ser jovem não é desculpa...

7. Talvez seja políticamente incorrecto defender que estes impasses só terão uma resposta quando a ficção, sem reticências, hesitações e complexos de culpa, tomar nas suas mãos as rédeas da verdade. Efectivamente, na "bulimia" de imagens a que nos habituámos, que efeito podem ter ainda em nós as imagens do "holocausto"? Cada vez mais desbotadas, insignificantes, anódinas. É por isso que um dos poucos sobreviventes ainda vivos do holocausto - Jorge Semprun - defende abertamente, e sem complexos, a via da ficção. Didáctico, não?

O neto de Freud


Lucian Freud, Leigh sob a Clarabóia, 1994

Se a "forma" do corpo que tende a ser exibida e a triunfar no mundo contemporâneo é despida de toda a rugosidade, de toda a carnalidade, aqui, pelo contrário, é o "retorno do recalcado" da carne - parafraseando o avô Sigmund Freud - que faz aparição e é exibido.

É certo que Freud, o avô, não teria apreciado isto: ele que era fascinado por pintura "clássica".

Curiosamente, por caminhos aparentemente tão diversos, o neto e o avô acabam por encontrar-se. Ambos apontam para o "real" (da carne, da pulsão) contra o "imaginário" (do corpo, do "eu").

O "inconsciente" escreve direito por linhas tortas.

14.6.05

Poesia e política

Morreram, por estes dias, dois homens que marcaram gerações.

Um era poeta: Eugénio de Andrade; o outro, político: Álvaro Cunhal.

O primeiro cuidava de dizer-bem; o segundo, de fazer-bem.

Só que o primeiro fazia bem o que dizia; enquanto o segundo dizia mal o que fazia.

Um escolheu a poesia por ser boa política; o outro, ao escolher a política, fez má poesia.

Política é má poesia. Poesia é boa política.

Paradoxalmente, ao escolher a verdade, Álvaro acabou por mentir.

Ao escolher "mentir", Eugénio acabou por dizer a verdade.

Preciosidades

Pode escutar-se actualmente, em directo ou em diferido, na rádio France Culture o programa "Histoire de...la Psychanalyse" com Jacques-Alain Miller.

Cada emissão é uma verdadeira preciosidade.

É seguir o link abaixo:

http://www.radiofrance.fr/chaines/france-culture

13.6.05

Um livro para todos e para ninguém


Filipe Pereirinha, Psicanálise & Arredores, Edições Universitárias Lusófonas, Maio de 2005

"Ao definir o inconsciente como um 'território estranho interno', Freud mostra-nos que entre o privado e o público, o interior e o exterior, a psicanálise e os seus arredores não há apenas uma simples oposição, mas igualmente uma estranha familiaridade. Bem cedo, com efeito, a invenção freudiana, extravasou para fora de muros, vindo interpelar e sendo interpelada pelo mundo. É uma eco dessa interpelação mútua o que aqui se joga".

Diz-se de um homem que ele deve fazer pelo menos três coisas na vida para sentir-se realizado: plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro.

Pronto. Já está. E agora?...

"

8.6.05

Porque são as mulheres mais complicadas que os homens

Ouvi há poucos dias, numa série que passa actualmente na Sic - Mulher, uma personagem fazer a pergunta: porque são as mulheres mais complicadas que os homens? A série é interessante e está bem feita; por isso, fiquei a ver.

A resposta, vinda de uma outra personagem, foi mais ou menos esta (reproduzo de memória): porque os homens nunca sabem o que elas querem enquanto elas sabem sempre o que os homens querem, pois todos querem a mesma coisa. Creio, aliás, que quem deu esta resposta foi uma personagem do sexo feminino.

Seja como for e independentemente do maior ou menor simplismo que há sempre neste tipo de generalizações, a frase é ilustrativa pelo facto de colocar a bola do "todo" no campo masculino (todos os homens), enquanto as mulheres são sempre mais "complexas" (para os homens e talvez para si mesmas) visto que, do seu lado, não há "todo". As mulheres dificilmente fazem conjunto. Podem fazer série, mas não é sério dizer que façam conjunto. Podemos, até certo ponto e de forma sempre contingente, saber o que quer esta ou aquela ou a outra, mas dizer "todas querem" já é mais difícil, senão mesmo impossível.

Lembro que este quebra-cabeças já fazia a cabeça de Freud andar à roda. Nada de novo debaixo do sol.

Filmes. Séries.

6.6.05

Inter-ditos


José Martinho, Ditos III, Conferências Psicanalíticas

"Este é um livro indispensável para aqueles que desejam realmente saber quais os novos desafios que o mundo lança à psicanálise e esta lança ao mundo"

5.6.05

Curvas...


François Boucher, Odalisca, 1745

Um estudo dinamarquês concluiu recentemente que a esperança de vida é maior nas mulheres com "curvas" (ancas) largas.

É bem dito e bem achado! Pois se a recta é o caminho mais curto entre dois pontos, a curva é o caminho mais longo.

É por isso que o desejo gosta de curvas, preferindo o caminho mais longo e escrevendo direito por linhas tortas.

3.6.05

Aquecimento...


Christian Staub, Aquecimento, 1953

Há quem pense - e talvez com razão - que a viragem acrobática de Sócrates e deste governo, bem como a posição acrobática (nem sequer o autor do Kama Sutra chegou a tanto!) a que está a obrigar os portugueses é apenas o "aquecimento"...

Há quem pense que o "não" de franceses e holandeses ao Tratado Constitucional Europeu é apenas o aquecimento, o balão de ensaio para outros "nãos" que vêm já a caminho. É o que acontece quando se pretende construir o que quer que seja "excluindo" o interesse dos sujeitos implicados na questão. ..

Há quem pense que a balbúrdia que vai na economia (e quem sabe que mais) do mundo inteiro, devido, nomeadamente, à entrada da china na "era da globalização", é apenas o princípio, o aquecimento...

Há quem pense que o próprio "aquecimento", a grande seca a que temos vindo a assistir, é apenas o aquecimento, o começo...

Assim vamos nós, a europa e o mundo.

1.6.05

A arte do risco...


Mark Tobey, Sem Título, 1959

Li recentemente, numa entrevista que ele deu a "Os Meus livros" (revista mensal), que António Barreto não suporta livros riscados, sublinhados ou anotados por outros, nem gosta ele próprio de riscar ou anotar os seus. Para isso, usa um caderninho à parte. É uma técnica "mais ecológica", segundo ele.

Eu, farto da ecologia politicamente correcta que tende a minar tudo e todos, senti-me ofendido. Sempre risquei, sublinhei e anotei os meus livros. Por isso, sinto-me como os fumadores a quem repetem até à náusea que o tabaco mata, que estão a (a)riscar a vida. Que não é uma coisa ecológica!

Houve quem defendesse que é nas "margens" que habita o que vale a pena ("Jacques Derrida, Margens da Filosofia). Anotar na margem é torná-la o centro do nosso interesse, a alma do negócio. É fazer êxtimo do exterior.

Ao riscar, (a)rriscamo-nos, pois nem todos riscam da mesma maneira. A arte de riscar é uma marca de singularidade. Pollock, por exemplo, só nasceu como artista no dia em que deixou de fazer coisas sérias, segundo a maneira como fazem todos, e passou a riscar à sua maneira. Arriscou...

Sinto-me tentado a corrigir o adágio: "quem não risca, não petisca!"

Ou então: "diz-me como riscas e dir-te-ei quem és!"

Arriscado?!