18.6.09

Tele-novelas

Em Portugal (e provavelmente em muitos outros países) os telejornais duram que se fartam. Parecem infindáveis. Elevam à dignidade de acontecimento a mais pequena banalidade, o assunto mais irrisório.

Numa sociedade que se pretende absolutamente "transparente", em que todos e cada um são chamados a confessar, a expor, a devassar a intimidade uns dos outros, os telejornais seguem a maré.

Onde tudo vale o mesmo, nada tem valor. Onde se faz acontecimento de tudo, nas se inscreve ou deposita. Não há sedimentação, real, das palavras que se dizem, das imagens que se agitam.

Ao mesmo tempo - e estranhamente - há coisas sobre as quais nunca se fala, pesando sobre elas um grande silêncio. É como nos vastos hipermermercados que parecem ter um pouco de tudo, mas, se procurarmos bem, há coisas que pura e simplesmente nunca lá estão. E essas coisas são, porventura, o que faz falta...

Não é a cultura, hoje, um grande, vasto e muitas vezes entediante hipermercado de ideias-feitas? Talvez seja necessário actualizar o dicionário de Flaubert!

1.6.09

Sobre-voos

Há quem diga: Filipe, há muito tempo que o teu blogue está parado!
Itálico
É verdade, respondo, mas a razão principal é porque eu não estou. Tenho andado em movimento.

É conhecido o gosto do nosso querido poeta, Fernando Pessoa, pelo movimento imóvel, pela viagem parada ou o teatro estático.

Eu tenho, porém, andado em movimento num outro sentido, mais exterior: por exemplo, de Lisboa a Paris, onde escutei uma conferência "memorável" de Jacques-Alain Miller, não só por razões intrínsecas (que já bastariam), mas igualmente por razões extrínsecas. Com efeito, para ouvir até ao fim não apenas o que ele disse na sua conferência, mas igualmente os comentários que esta suscitou nos ouvintes, acabei por chegar um pouco atrasado ao aeroporto. A consequência foi a seguinte: o que disse Miller no final dessa manhã (10 de Maio), durante o Congresso da New Lacanian School/Nouvelle École Lacanienne, tornou-se, para mim, na fala mais cara de sempre.

Quando contava, a colegas e amigos, o que tinha acontecido, ocorreu-me dizer "MILLAIR-FRANCE": uma espécie de avião homofónico para sobrevoar, com algum humor, o in-suportável da coisa.



Outros movimentos mais recentes ocorreram, igualmente de avião: não para ouvir, desta vez, mas para falar. Ou melhor: ouvir e falar. Pelo terceiro ano consecutivo, fui convidado para ir ao Brasil, a Curitiba, falar nas Jornadas de Direito e Psicanálise, um acontecimento verdadeiramente empolgante não só pelo carácter inédito do trabalho que aí se realiza, mas também pelo ambiente, pela atmosfera que o rodeia.

Este ano, o que serviu de base à nossa reflexão foi um livro de Clarice Lispector (A Hora da Estrela), alguém que não cessou de escrever, de acercar-se do impossível de dizer por meio da escrita, mesmo se esta - como ela própria afirma na dedicatória do livro- lhe atrapalhava a vida.

Talvez, então, aquilo que nos "atrapalha" a vida não seja simplesmente para descartar ...