4.11.07

O corpo e o objecto

Desde há vários anos, a Antena do Campo Freudiano, através do seu Centro de Estudos de Psicanálise, tem prosseguido uma investigação em torno de alguns dos conceitos fundamentais que Freud e Lacan puseram em circulação. A base das operações é um Seminário animado por José Martinho e que este ano se realiza na Biblioteca Victor de Sá, Universidade Lusófona, sala 2.3, e é subordinado ao tema: "O Corpo e o Objecto na Clínica Psicanalítica". Procura-se, desta forma, uma consonância com o trabalho proposto e realizado ao nível quer da Associação Mundial de Psicanálise, quer da New Lacanian School/Nouvelle École Lacanienne.

No "Mercador De Veneza", de Shakespeare, é celebrado um estranho contrato entre Shylock, um judeu, e António, um importante mercador de Veneza. Para ajudar o seu amigo, Bassânio, a conquistar o coração da bela e rica Pórcia, ele pede emprestado a Shylock três mil ducados. Este acaba por aceder ao pedido sob a estrita condição de que António lhe pague a dívida no prazo de três meses; caso contrário, terá direito a cortar "uma libra de carne" junto ao coração daquele. Eis um estranho objecto que se destaca do corpo e, já agora, das leis do mercado: para que é que isso serve a Shylock, o judeu?

Quando Marcel Duchamp descobriu que um objecto qualquer da indústria humana (quer seja um pá, uma roda de bicicleta ou um simples urinol) pode ser elevado à dignidade de Objecto artístico, mostrou, por exemplo, que mesmo quando uma coisa já não serve para nada (daquilo para que foi criada), ela continua, apesar de tudo, a ter uma função. Qual é a função, cultural e artística, destes estranhos objectos cada vez mais disseminados?

Para um fetichista, por exemplo (veja-se o caso referido por Freud num texto dedicado ao tema), a presença ou ausência de um simples "brilho sobre o nariz" pode ser razão necessária e suficiente para atear ou extinguir todo e qualquer desejo sexual.

Num outro domínio, ao nível dos novos sintomas que não cessam de aumentar, o "nada" que a anoréctica se obstina em (não) comer, revela que o objecto e o modo de satisfação que aí estão em causa não dizem respeito à necessidade natural, mas a outra coisa, quer esta se reporte ao amor (na sua exigência incondicional), ao desejo (que é sempre desejo de outra coisa) ou ao gozo (enquanto este põe em causa o princípio de prazer).

Também o esquizofrénico, por exemplo, que ouve realmente vozes (que mais ninguém ouve), mostra, à sua maneira, que o objecto de que se trata não é o objecto natural, da percepção..., mas aquilo a que Lacan vai chamar objecto a.

São apenas alguns exemplos deste estranho objecto que Freud - e após ele Lacan - deram um relevo especial. É em torno dele que irão prosseguir as investigações do seminário ao longo deste ano.

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