27.7.05

A banalidade do mal

No último número do Courrier Internacional (22 a 28 de Julho de 2005), José Gil, na crónica intitulada "O fio quebrado", faz uma estranha e inusitada comparação entre o terrorismo islâmico (pelo menos numa das suas componentes) e o nazismo enquanto "programa sistemático de destruição". Em ambos os casos, o "laço" que liga, que aproxima um homem a outro homem foi quebrado; ao mesmo tempo, segundo o que agora se sabe a partir das descrições que foram feitas pelos que os conheceram, os terroristas de Londres assemelham-se bastante aos oficiais alemães dos campos de concentração: bons cidadãos, amigos do próximo, vizinhos simpáticos e sorridentes. Gente comum e banal, portanto, que, ao mesmo tempo, não hesita em matar dezenas ou milhares de inocentes sem pestanejar, com a maior frieza e insensibilidade do mundo.

Estando quebrado o fio, desatado o "laço social" (Lacan) que liga uns aos outros, também a ética é pervertida: em vez do princípio utilitarista que exige o maior bem para o maior número (Bentham, Mill), passa a praticar-se o maior mal possível para o maior número. É a "lógica" implacável do ódio passado ao acto.

Mas, voltando à comparação inicial entre certas componentes do terrorismo e do nazismo, eu gostava de realçar uma diferença entre os dois: no caso do nazismo, tratou-se de uma eliminação sem deixar rasto, sem inscrição simbólica e imaginária, como se nada tivesse acontecido e fosse, por isso, impensável. Daí a dificuldade, durante muito tempo, de pensar "isso"...que aconteceu, bem como a pergunta subjacente: como foi possível tamanha coisa? . Pelo contrário, os actos terroristas procuram o máximo de visibilidade e de ostentação do mal. São efeitos "espectaculares" o que se visa. Eis uma das facetas mais sombrias da "mediatização" e da "sociedade do espectáculo" em que vivemos.

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