3.8.07

A tentação das profundezas

É grande a tentação de pensar que o conhecimento último, a verdade ou a essência das coisas, se encontra num lugar oculto, profundo, abaixo da superfície, e que é preciso escavar para que ele seja revelado.

O próprio Freud não escapou desta tentação, acabando, também ele, por ser enredado na metáfora das profundezas. Compreende-se que a sua paixão pela arqueologia tenha contaminado, a certa altura, a maneira de conceber o inconsciente. Ainda hoje há quem se refira a Freud como o inventor da "psicologia das profundezas".

Também no frenesim com que aparecem, todos os dias, novos títulos sobre a "revelação" de segredos e afins (disto e daquilo) - é extraordinário como a ciência mais avançada não conseguiu destronar, muito pelo contrário, o misticismo mais retrógrado - se nota a persistência dessa tentação da profundidade.

Contra esta tendência, vale a pena reler a "carta roubada" (The purloined letter), de Edgar Allan Poe (1845). Ele mostra, de forma magistral, como aquilo que se procura, aqui ilustrada pela circulação de uma carta, que passa de mão em mão, torna-se invisível, não porque esteja num lugar profundo, mas sim porque está à superfície, e ninguém (ou quase ninguém) tem por hábito observar atentamente o que está à superfície.

É então, como dizia Ernst Junger, que o problema se torna mais inquietante.

Sem comentários: