8.8.07

Extimidade


Agosto é o mês em que toda a gente vai para fora: a praia, o campo, um outro país... Não quer dizer que a cidade fique vazia, não; ela fica cheia dos outros, dos estrangeiros, dos que vão igualmente para fora de outras cidades como esta, algures, num outro lugar qualquer da Europa, do mundo. Eles vêm, como estrangeiros, habitar, por um tempo, a cidade abandonada, dando-lhe um sopro de vida.

Por diversas razões que não vou dizer (chama-se a isto, na gíria psicanalítica, denegação), este ano vou permanecer na cidade. Como um "estrangeiro" entre estrangeiros. Um turista acidental.

Às vezes é preciso redescobrir essa estranheza do olhar, voltando a contemplar as coisas da maneira que só um estrangeiro é capaz: como se fosse a primeira vez. Foi o que pensei e senti ao percorrer, devagar, com o meu amigo Jean Luc, as velhas ruas vestidas com o manto do hábito, onde já não reparamos. Só ele é que era estrangeiro, no verdadeiro sentido da palavra, mas eu senti-me devir estrangeiro, numa espécie de conversão do olhar. Tornei-me estrangeiro não porque vinha de um outro lugar, como ele, mas porque de repente tudo me pareceu estranhamente familiar, quer dizer, com aquela familiaridade que nos faz reparar nas coisas a que estamos habituados, mas como se o olhar, vendo-as de fora, lhes tivesse restituído uma segunda infância, uma estranheza que nos surpreende e comove.

Foi então que me recordei de uma frase de Martin Heidegger: "O que nos parece natural é unicamente o habitual do há muito adquirido, que fez esquecer o inabitual de onde provém. Este inabitual, todavia, surpreendeu um dia o homem como algo de estranho, e levou o pensamento ao espanto" (A Origem da Obra de Arte).

De repente, esta frase pareceu-me tão clara e luminosa como a luz da cidade que eu amo. E uma espécie de magia embalou-me nos braços.

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