27.7.07

O poder da sugestão


Vivemos num tempo algo paradoxal, na medida em que, por um lado, se exige transparência, visibilidade, e, por outro, se proclama o segredo e o mistério. Talvez a contradição não seja grande, uma vez que o segredo existe para ser revelado.

Acontece que quando um segredo é revelado, como foi o caso do terceiro segredo de Fátima, ele acaba por perder a aura, revelando que, afinal de contas, não ocultava grande coisa: apenas truísmos, banalidades.

O último "segredo" a fazer estragos é o título de um livro e de um filme que já vendeu perto de 100 milhões de exemplares (a acreditar na revista Visão, de 26 de Julho de 2007) por esse mundo fora.

Mas qual é, afinal, o segredo? Apenas uma verdade simples, para a qual existe, inclusivamente, um aforismo: querer é poder. É verdade que, às vezes, o desejo move montanhas, mas aqui o poder da mente pretende-se infinito, ilimitado.

No fundo, é como se a velha oposição freudiana entre o princípio de prazer e o princípio de realidade sofresse aqui um esbatimento, de tal modo que não houvesse mais diferença entre os dois. E, até certo ponto, é mesmo assim: a realidade é apenas a continuação, um desvio, um adiamento do nosso projecto de alcançar o prazer e a satisfação custe o que custar. Porém, a diferença, neste caso, é que o prazer não se molda à realidade, mas é a própria realidade, se assim podemos dizer, que se molda ao prazer. Como dizia alguém que testemunhou, na Visão, do seu caso, "Foquei-me no que me daria prazer, o universo conspirou a meu favor" (p. 96).

Uma outra ideia, um pouco leibniziana, vestida com as roupas da Nova Era, é que "nada acontece por acaso". Por aqui se percebe a diferença entre esta realidade, moldada pelo prazer, e o real da contingência, o verdadeiramente inesperado, o que não resulta de uma simples visualização ou concentração da mente; o que nos põe fora de nós, em desarmonia; o que nos arranca da crença de que nós somos a medida do mundo; o que nos acontece quando não é o sonho que comanda a vida, mas a vida que descomanda o sonho.

Por último, há uma crença ingénua (em que o próprio Kant acabou por cair, quem diria!) que consiste em supor que a felicidade depende do merecimento. "O que desejo pode acontecer se eu acreditar que mereço", dizia alguém na Visão (p. 96). O que merecem aquelas crianças que são verdadeiramente felizes, mesmo antes de saberem o que é ser feliz ou buscarem a felicidade? Quando procuramos merecer a felicidade ( saber onde está, como podemos alcançá-la) é porque já não sabemos verdadeiramente o que ela é, já a perdemos. A felicidade, como dizia Giorgio Agamben, é uma espécie de magia e não um merecimento. Talvez seja por isso, apesar de tudo, que há tanta necessidade de "magia" nesta cultura científico-tecnológica em que vivemos.

Mas não deixa de ser elucidativo que, precisamente no momento em que mais cresce o "mal-estar" na civilização (as alterações climáticas, os efeitos da globalização, as depressões de todo o género e feitio...), aumentem também, de forma avassaladora, as promessas de bem-estar e felicidade. O poder da sugestão, esse sim, parece infinito.

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