4.5.06

Perplexidades


Li o extenso dossiê que o Expresso (Revista Actual) de 29 de Abril 2006 dedicou ao 150º aniversário do nascimento de Freud - dossiê, a vários títulos, interessante - e fiquei perplexo: num número dedicado quase inteiramente à psicanálise, faltam os psicanalistas. Está lá quase toda a gente: críticos literários, de cinema, de teatro, da dança, até um matemático (Nuno Crato), mas quanto aos psicanalistas, apenas algumas referências em discurso indirecto. E mesmo aí (veja-se o artigo: "Portugueses no divã", pp. 30-32) faltam nomes importantes da psicanálise em Portugal (onde estão, por exemplo, Pedro Luzes, José Martinho, Maria Belo, entre outros), ao mesmo tempo que surgem como psicanalistas pessoas que o não são. Não sei se a confusão é deliberada ou se resulta apenas de uma falta de informação, mas dá que pensar.

O que seria, por exemplo, um dossiê sobre matemática feito por quase toda a gente excepto por matemáticos (o que diria, nesse caso, Nuno Crato? Talvez tivesse de "recapitular" tudo o que aprendeu sobre a matéria), ou um dossiê de medicina sem médicos, ou, enfim, um dossiê sobre uma coisa qualquer de onde fossem arredados os mais interessados, os que "praticam", bem ou mal, a coisa em questão.

Outra perplexidade resulta da leitura de dois artigos, bastante críticos, assinados por Ana Cristina Leonardo: "O Rei vai Nu" (20-21) e "Erro ou impostura" (25-27). Fazem-nos crer os críticos de Freud que ele estava errado, que era um impostor e que esteve na origem de uma "pseudo-ciência"; enquanto isso, os ditos críticos, estariam certos, buscam a verdade e fundam os seus argumentos na verdadeira ciência. Mas, se é assim, porquê o sorriso nos lábios, a indisfarçável satisfação no modo de dizer, o "gozo" evidente na destituição do "mestre" de Viena? Não será, creio, por uma razão puramente "científica". Ou será? Como escreveu Elisabete Roudinesco: "Pourquoi tant de haine"?

Eu seria tentado a escrever, à maneira de Lacan: hainamoration, pois, na verdade, como mostra Freud no texto As Pulsões e suas vissicitudes, o amor e o ódio não são necessariamente contrários; o contrário do amor é a indiferença e não o ódio; e indiferença, pelos vistos e até ver, é coisa de que Freud, se estivesse vivo, não se poderia queixar.

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