3.2.07

Primeiro entranha-se, depois estranha-se

Há um filme de Sofia Coppola (Lost in Translation) em que uma das personagens (Charlotte), ao explicar o que faz na vida, diz que acabou o curso de Filosofia. Até aqui, tudo bem: entranha-se. O problema é que, em resposta, a outra personagem (Bob Harris) diz mais ou menos o seguinte: Ganha-se bom dinheiro com isso!

O que se entranha, primeiro, torna-se subitamente estranho: será que estamos a falar da mesma coisa? Ou então: que país é esse (Estados Unidos?) onde a filosofia dá bom dinheiro? Será isto uma simples joke?

A ideia é de tal forma estranha que é difícil imaginar uma revista de filosofia vendida por exemplo num quiosque, assim como se vendem muitas outras revistas de tudo e mais alguma coisa. Tudo e mais alguma coisa não contempla a filosofia.

O Estranho, mais uma vez, é que existe mesmo. Encontrei-a por acaso, um dia destes, num quiosque em Lisboa. Chama-se Filosofia Ciência & Vida.

Comprei-a. Era o nº 3. Descobri, entretanto, que havia outros números publicados. Estranhei o título da capa: A crise do amor - como amar sem sofrer, de Platão a Simone de Beauvoir. Que o amor faça sintoma é uma evidência; agora, que seja possível amar sem sofrer, parece um contra-senso à luz da matriz cortês que continua, de um modo ou de outro, a determinar o amor no ocidente, como mostrou muito bem Slavoj Zizek em "O amor cortês ou a mulher como a coisa" (Relógio D'Água, 2006, pp. 17-46).

Mais à frente, um artigo sobre Filosofia e Psicanálise. Na verdade, seria melhor dizer: fenomenologia e psicanálise.

Começo por me embrenhar no texto e entranhar (me) no tema. Depois, estranho. De psicanálise (melhor seria dizer: uns pózinhos de Freud muito mal digeridos) há muito pouca coisa. Pior que isso: quase todas as referências são vagas ou truncadas. Apenas dois exemplos:

"Freud criou uma explicação dinâmica da consciência para esclarecer como as imagens nela aparecem..." (p. 74)

"Ao contrário da psicanálise não se fala na fenomenologia de um acesso directo a eles ou de interpretá-los(os conteúdos psíquicos) - mas quem disse que a psicanálise faz isso? - mas de entender o sujeito, compreendê-lo - também não se pode dizer que a psicanálise tenha por objectivo entender ou compreender o sujeito - e oferecer clareza para que ele mesmo busque os seus caminhos na vida" (p. 77).

No fundo, o que o título promete não chega a cumprir. Em vez de um diálogo profícuo entre a filosofia e a psicanálise, o que temos é uma série de considerações baseadas na filosofia de K. Jaspers e, nomeadamente, na sua Psicopatologia Geral (1979) adapatada ao DSM-IV.

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