5.2.06

O poder da caricatura

O mundo parece estar cada vez mais dividido em dois: os que conseguem rir (do sagrado) e os que não.

Já Umberto Eco, se bem me lembro, evocava no Nome da Rosa esta questão - avant la lettre - a pretexto do livro supostamente desaparecido de Aristóteles sobre a comédia.

O riso des-sacraliza. Deita a aura por terra. Fá-la cair, literalmente, na real - como dizem os nossos irmãos do outro lado do Atlântico. Revela "fragilidades" (invisíveis, ou que deveriam permanecer como tal) dos heróis, ofendendo, por isso, os seus seguidores.

Os recentes acontecimentos - despoletados na Dinamarca - a propósito de uma caricatura do profeta Maomé mostram que a "terceira" guerra mundial (uma guerra que não pára de começar), entre a seriedade e o riso, já começou efectivamente.

O riso pode ser uma arma de consequências imprevisíveis. Mas também uma marca civilizacional. Estou em crer que o grande salto (individual ou colectivo) é dado quando somos capazes de rir...de nós, tanto como rimos dos outros, ou com eles, sem que o riso (nos) fira como uma bomba.

Mas, por outro lado, o que parece falar ali, na caricatura da verdade, é esta mesma a dizer: tocaram-me na ferida.

Da mesma forma, a má consciência dos que se desfazem em desculpas ou tentam compreender o incompreensível, também diz, à sua maneira: tocaram-me na ferida.

E, assim, a verdade re-vela - como diria Lacan - que tem estrutura de ficção.

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