27.5.05

O futuro de uma ilusão


Estação de auto-estrada, Alabama

A pergunta de Freud sobre o futuro da "ilusão" religiosa (1927) tem agora uma resposta: "Deus ressuscitado". É este o título do dossier que o último número da revista "Sciences Humaines" (Maio de 2005) dedica às "religiões face à modernidade".

Em finais do século XIX, Nietzsche formulava - sabemos agora que apressadamente - "Deus está morto". É conhecida igualmente a correcção irónica que um anónimo introduziu na frase: "Nietzsche está morto. Assinado: Deus". Brincadeira jocosa, é certo, mas com a sua incontornável verdade.

Há aqui um paradoxo difícil de explicar: quanto mais cresce o poder da ciência, menor deveria ser a força do regioso. Não é, porém, o que acontece; até parece que a ascenção do "discurso da ciência" favorece o ressurgimento do religioso como "fenómeno mundial". Como explicar este retorno de Deus, dos deuses e do "religioso" em toda a sua pujança polimorfa?

Talvez Freud nos ajude a entender o que se passa, ao fazer uma distinção crucial, no seu texto de 1927, entre o "erro" e a "ilusão": enquanto aquele pode ser rectificado, a ilusão, mergulhando num desejo inconsciente, permanece indiferente à realidade. Já a ciência tem de submeter-se à "prova da realidade".

Mas há mais: o que retorna no religioso é o "sujeito" (onde a ciência instala a pura objectividade) e o "sentido" (de que a ciência esvazia o mundo). Não é porque a ciência não tenha consciência - parafraseando Morin - mas porque "exclui" o inconsciente, o sujeito do inconsciente, que este retorna com uma força inesperada.

Claro está que "retorno" não quer dizer "reprodução" do mesmo. Tal como o Renascimento não foi um simples regresso dos deuses antigos, também a época pós-moderna em que vivemos mistura, na mesma "salada russa", os deuses antigos e os novos, numa espécie de "perversão polimorfa", se me faço entender.

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