11.3.10

Elogio da sombra

Em "O Olho Absoluto", um admirável ensaio do escritor e psicanalista Gérard Wajcman sobre a "civilização do olhar", há um capítulo dedicado ao "elogio da sombra". Este curioso título evoca um outro admirável livro, do escritor japonês Junichiro Tanizaki, sobre a importância da sombra e dos seus efeitos na estética tradicional japonesa. Opõe-se aqui uma estética e uma cultura da luz (ocidental) a uma estética e uma cultura da sombra.

Na "sociedade da transparência" em que vivemos, onde tudo devém sujeito ou objecto do olhar e onde o imperativo da "visibilidade absoluta" exige que nada do que é exterior ou interior escape ao raio da "iluminação" (até para os mortos se exige agora uma "autópsia psicológica", pois se deve ver tudo, saber tudo, dissecar tudo...até já não restar nada da subjectividade ) poderá este "elogio da sombra", vindo de um Japão anterior ao fascínio pelo ocidente (1933) iluminar, de alguma forma, o momento sombrio que atravessamos?

Traduzo o que diz Gérard Wajcman (L'Oeil absolu, Éditions Denoël, 2010, pp. 50-51) sobre o assunto :

"Em breve se irá no encalço das sombras.
Restaurar os direitos da obscuridade é o que está em jogo.
Nunca havemos de reler suficientemente o admirável Elogio da sombra de Junichiro Tanizaki (1933). Este formidável escritor fala aí do amor, do seu amor pela sombra, do lugar e das funções da sombra na arte de viver japonesa. Eis um mundo em que harmonizar-se com a sombra constitui um modo de ser e de pensar e acima de tudo o móbil de uma intensa emoção estética. É também uma posição ética orientada pelo real e não por ideais transcendentes.
É, portanto, hoje, para nós, uma posição política.
Repete-se que o Japão é um mundo outro, povoado de signos misteriosos, estranhos e estrangeiros ao nosso, onde o gosto pela luz nos afasta do canto de amor pela sombra. Na verdade, quando se lê Tanizaki, compreendemos como tudo isso é idiota. Que o Japão é como aqui, que os japoneses são tal como nós, tão semelhantes e singulares como nós e que a sua relação com a sombra não tem nada de estranho ou exótico - apenas magnífico. E que se queremos compreender algo do que se passa em nossos nossos países é urgente ler o admirável elogio da sombra de Junichiro Tanizaki". 


Cultivar a sombra: eis uma nova proposta para o século XXI!

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