20.11.09

(A)normalidade(s)

As palavras não são as coisas e por isso movem-se e deslizam, prendem-se e desprendem-se umas às outras, criando, nessa movimento, novos efeitos de sentido.

O sentido flutua como um barco de papel à flor da água - como se dizia do espírito de Deus no livro do Génesis - arriscando naufragar, imergir a cada momento.

Tal como o barco de papel, o sentido é impulsionado pelo vento do uso ( e do abuso), mudando a cada instante de direcção. (Perdão: eu quis dizer: direção!)

Basta, por vezes, o bater de asas de uma borboleta, algures, para que chovam aqui novos efeitos de sentido. E toda a vida muda. Um simples bater de asas de um novo sentido pode fazer tremer a vida toda. (Perdão: eu deveria dizer não-toda, pois a vida toda é sonho de idiota; mas eu, como homem, sou também meio idiota, não? Li certa vez um livro que tinha o sugestivo título: História de um idiota contada por ele mesmo. Félix de Azúa. Um homem, por sinal. Mas além de idiota, eu não sou normal.)

O governo (em sintonia com grande parte da oposição) prepara-se para aprovar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. É normal. Todos os ventos que sopram, de um lado e do outro, parecem estar em sintonia: é a evolução normal das coisas. Aliás, em consonância com o inconsciente freudiano - quem diria - que desconhece o Outro sexo.

Em jeito de piada, poderíamos actualizar uma velha frase de Louise Vilmorin: hoje em dia, já só os padres querem casar-se. E os homossexuais, diríamos nós!

E é normal, pois se não fossem os padres e os homossexuais, o que seria da velha e sagrada instituição do casamento com tantos divórcios e separações entre os demais?

Talvez porque as mulheres já não fiquem em casa, ou já não queiram simplesmente cuidar dos filhos ou dos maridos...como filhos. E é normal. Elas têm o mesmo direito de ir à guerra, à luta...política. É normal a igualdade. É normal a paridade, como agora se diz. Se elas não querem, obrigam-se...em nome da igualdade e da paridade, como se vê nos parlamentos nacional ou comunitário. (Espero que em nome da paridade não obriguem os homens a parir, se bem que o cinema já tenha explorado essa via).

Tudo muda. As escolas deixaram de ensinar e os alunos de aprender. O que é mais normal (mais regular) é encontrar hoje em dia cursos irregulares nas escolas. E é normal que assim seja. Se tudo muda, porque haveriam as escolas de ficar paradas?

Quando vou almoçar ao restaurante com colegas ou amigos e peço um café...normal, todos se riem de mim. O que é isso, um café normal? Se o empregado diz, um café? - todos respondem: sim, uma café cheio, a escaldar, curto, pingado, abatanado..., e eu digo simplesmente, desconsoladamente: um café normal! Já me aconteceu o empregado ficar de cabeça "abatanada" a olhar para mim, como se não tivesse bem a certeza do que eu estava a pedir.

Um bater de asas... e o sentido já não é o mesmo. O que era claro, anoitece; o que estava à superfície da corrente, submerge; o que era firme, torna-se inseguro.

E é normal!

Só eu, que teimo em pedir um café normal, decididamente não sou normal.

Será normal?

2 comentários:

Cláudia disse...

Caro autor, você não me conhece, sou o "sujeito em desordem", apesar disso ou por causa disso, peço que escreva um novo texto, pois eu o espero desde o dia 21 de Novembro.
Cordiais saudações!!!

Anónimo disse...

Ainda bem que és NORMAL dentro de tanta ANORMALIDAE... principalmente no café.