21.7.09

O nariz de Michael Jackson

Como todo o artista (e homem!) que se preze, Michael Jackson era um poço de contradições: ao mesmo tempo que ganhava rios de dinheiro, morreu atolado em dívidas; enquanto o seu corpo se entregava ao martírio da transmutação (de um negro vivo para um branco cadavérico), à procura da mítica beleza ou harmonia entre a imaginação e a realidade, os seus "telediscos" exploravam constantemente a fealdade mais distorcida e excêntrica; ao mesmo tempo que foi obrigado a crescer demasiado depressa, por obra e graça da "fantasia" do pai, ficou condenado a viver na "terra do nunca" (Neverland), por obra e graça da sua própria fantasia.

Michael Jackson não gostava de ver-se ao espelho (diz algures) nem de falar: fazia-se ver, expondo-se. Fazia-se olhar.

O pai (que pai era este?) costumava dizer que não era o papá de ninguém, enquanto chicoteava com o cinto o primeiro dos filhos que se atrevesse a cometer a mais pequena falha na execução musical.

Ao mesmo tempo que dava como exemplo o trabalho de Michael (ponham os olhos nele!), o pai costumava zombar do seu nariz (feio e achatado).

De todas as metamorfoses a que foi progressivamente sujeito o corpo de Michael, talvez a mais espectacular se prenda com o nariz. Michael Jackson fez literalmente o contrário do que é hábito dizer às crianças: não mexam no nariz! De facto, ao longo da vida ele não fez outra coisa: mexer e remexer no nariz.

Ele odiava tanto o seu pai que às vezes chegava a vomitar. Consta que ele foi excluído do testamento de Michael. Mas não foi a sua vida toda (ou quase) movida por isso mesmo que ele parecia odiar tanto, em particular essa frase, essa frases vociferadas por esta autêntica père-version, como diriam os franceses?

O contrário do amor não é o ódio, mas a indiferença. O pai de Michael Jackson era tudo menos indiferente para este.

2 comentários:

Mabel disse...

Será que todos aqueles que são obrigados a crescer demasiado depressa, muitas vezes pelas circunstâncias falimiares,ficam eternamente condenados a viver numa neverland ou wasteland, por obra e graça de uma fantasia criada como uma possível tábua de salvação de uma existência demasiado descarnada?

Filipe Pereirinha disse...

Pas-tout...