Todos os Natais sou invadido por uma certa nostalgia de um tempo - mítico, talvez - em que o desejo de dar ainda não era inteiramente sufocado pelo ter que dar (isto é, comprar) algo para os entes queridos, amigos e conhecidos.
Era um tempo - mítico, talvez - em que ninguém tinha quase nada para dar e toda a gente dava, por isso, até o que não tinha.
A carência (ao nível da necessidade) não mata forçosamente o desejo de dar, podendo até reforçá-lo.
Dar o que não se tem - como dizia Lacan - é amor.
Outros dirão: É Natal.
22.12.06
14.12.06
No princípio era o amor
É com este título que Lacan inicia o seu seminário de 1960-1961 dedicado à Transferência. Aí discute, entre outras, a conhecida fórmula do Evangelho de S. João segundo a qual no príncípio era o Verbo. A ideia é que o Verbo é essencialmente amor. Quando alguém se põe a falar, mais do que uma informação (sobre o mundo ou a realidade) é o amor que se vai inter-dizendo por entre as linhas.
Na experiência analítica, o amor tem o nome de "transferência", um dos quatro conceitos fundamentais da psicanálise, segundo Lacan. O seu nascimento e o seu fim marcam dois momentos cruciais de uma cura analítica.
O próximo congresso da New Lacanian School/Nouvelle École Lacanienne, a realizar em Atenas a 19 e 20 de Maio de 2007, é subordinado ao tema "Nascimentos da Transferência" (Births of transference/Naissances du transfert), inscrevendo, desde logo, no título a pluralidade de abordagens que o tema, hoje, permite.
________
"Poderes da Transferência" é o título do seminário do Centro de Estudos de Psicanálise (CEP) e da Antena do campo Freudiano (ACF) que se realiza todas as segundas feiras na sala A12 da Universidade Lusófona (Campo Grande) e que é dedicado, como não podia deixar de ser, à questão do amor e às suas diversas facetas, tanto dentro como fora da psicanálise.
Como é natural, Platão não poderia faltar ao banquete!
Na experiência analítica, o amor tem o nome de "transferência", um dos quatro conceitos fundamentais da psicanálise, segundo Lacan. O seu nascimento e o seu fim marcam dois momentos cruciais de uma cura analítica.
O próximo congresso da New Lacanian School/Nouvelle École Lacanienne, a realizar em Atenas a 19 e 20 de Maio de 2007, é subordinado ao tema "Nascimentos da Transferência" (Births of transference/Naissances du transfert), inscrevendo, desde logo, no título a pluralidade de abordagens que o tema, hoje, permite.
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"Poderes da Transferência" é o título do seminário do Centro de Estudos de Psicanálise (CEP) e da Antena do campo Freudiano (ACF) que se realiza todas as segundas feiras na sala A12 da Universidade Lusófona (Campo Grande) e que é dedicado, como não podia deixar de ser, à questão do amor e às suas diversas facetas, tanto dentro como fora da psicanálise.
Como é natural, Platão não poderia faltar ao banquete!
13.12.06
Coisas de merda
No prefácio à edição francesa do Elogio da Intolerância (Lisboa: Relógio D'Água, 2006), Slavoj Zizek mostra como a "ideologia" - supostamente ultrapassada ou caída em desuso - está presente até nas coisas mais ordinárias (ou íntimas e privadas) do quotidiano.
Para ilustrar a tese, recorre a três exemplos "típicos" de casas de banho: a alemã (tradicional), a francesa e a americana. Na casa de banho alemã tradicional, o buraco onde o cocó desaparece depois de se puxar o autoclismo é lateral, de tal modo que ele começa por ser exibido aos nossos olhos para melhor ser inspeccionado com vista à detecção de um qualquer indício de má saúde; no modelo francês, o buraco fica bem ao meio e em baixo, de forma a que a merda desapareça o mais rapidamente possível; por último, a casa de banho amercicana, apresenta uma espécie de síntese, de mediação, entre as duas anteriores: a sanita está cheia de água, de tal maneira que o cocó flutua, bem visível, à superfície, sem que por isso deva ser examinado.
Segundo Zizek, podemos distinguir claramente em cada um destes modelos de casa de banho uma certa concepção ideológica da maneira como o sujeito deverá relacionar-se com o desagradável excremento que provém do interior do seu corpo.
Prosseguindo com o exemplo, poderíamos estabelecer um paralelismo com o que se passa nas nossas casas de banho públicas (onde se torna público o mais privado), em particular no que diz respeito às inscrições que aí proliferam.
Uma "história da vida privada" teria muito a aprender com uma visita regular às casas de banho públicas: não só em relação à forma como o sujeito vai lidando "simbólica" e "imaginariamente" com esse pedaço de "real" que cai do seu corpo, mas também, e principalmente, em relação à inscrição da(s) sexualidade(s), do próprio ou do(s) outro(s), segundo um maior ou menor (mais ou menos explícito) des - embaraço.
Os fantasmas de uma geração ou os sintomas de uma época também se (a) sentam aí.
Para ilustrar a tese, recorre a três exemplos "típicos" de casas de banho: a alemã (tradicional), a francesa e a americana. Na casa de banho alemã tradicional, o buraco onde o cocó desaparece depois de se puxar o autoclismo é lateral, de tal modo que ele começa por ser exibido aos nossos olhos para melhor ser inspeccionado com vista à detecção de um qualquer indício de má saúde; no modelo francês, o buraco fica bem ao meio e em baixo, de forma a que a merda desapareça o mais rapidamente possível; por último, a casa de banho amercicana, apresenta uma espécie de síntese, de mediação, entre as duas anteriores: a sanita está cheia de água, de tal maneira que o cocó flutua, bem visível, à superfície, sem que por isso deva ser examinado.
Segundo Zizek, podemos distinguir claramente em cada um destes modelos de casa de banho uma certa concepção ideológica da maneira como o sujeito deverá relacionar-se com o desagradável excremento que provém do interior do seu corpo.
Prosseguindo com o exemplo, poderíamos estabelecer um paralelismo com o que se passa nas nossas casas de banho públicas (onde se torna público o mais privado), em particular no que diz respeito às inscrições que aí proliferam.
Uma "história da vida privada" teria muito a aprender com uma visita regular às casas de banho públicas: não só em relação à forma como o sujeito vai lidando "simbólica" e "imaginariamente" com esse pedaço de "real" que cai do seu corpo, mas também, e principalmente, em relação à inscrição da(s) sexualidade(s), do próprio ou do(s) outro(s), segundo um maior ou menor (mais ou menos explícito) des - embaraço.
Os fantasmas de uma geração ou os sintomas de uma época também se (a) sentam aí.
5.12.06
Sem garantia
Há frases que são verdadeiras "concepções do mundo". Frases banais, do quotidiano.
Um exemplo é o dito publicitário que corre nos media, desde há algum tempo: "Hoje em dia, ninguém empresta sem uma garantia."
Não deixa de ser paradoxal - mas profundamente elucidativa - esta exigência de garantia na época do Outro que já não (em) presta garantia.
Se passamos a exigir uma garantia para tudo é porque tudo ficou sem garantia. Inclusive o Outro.
É a lógica dos "seguros": proliferam onde reina a insegurança (real ou imaginária, pouco importa).
29.11.06
A tentação do nada
O "nada" pode ser muitas coisas. Basta escrever, por exemplo, num qualquer motor de busca a palavra "nada", que logo vêm à rede uma série de coisas.
O número de Novembro de 2006 (Hors-série) da prestigiada revista Magazine Littéraire, é inteiramente dedicado ao tema do "nihilismo" (do latim, "nihil") e tem como subtítulo: "a tentação do nada" (la tentation du néant). É fácil verificar, pela quantidade (e qualidade) dos artigos consagrados ao "nihil-ismo", que o "nada" está longe de se reduzir a nada.
Num outro domínio, também o último número da revista "Actual", do Jornal Expresso (25 de Novembro de 2006), consagrava duas páginas (24-25) a uma estranha "doença" (anorexia) onde o "nada" tem a sua importância. Pela forma como se obstinam na manutenção desse "nada", faz supor que há aí "alguma coisa" mais importante e fundamental (a conseguir ou a manter) do que a (não) satisfação da necessidade. Lacan costumava dizer, por isso, que a anoréctica come nada.
Mas, para além dos aspectos clínico (como tratar o desejo e o gozo em presença) e ético (são postasem causa todas considerações "utilitaristas" do bem-estar), a anorexia coloca-nos ainda um interessante problema, digamos, "cultural". Na verdade, ao mesmo tempo que a cultura parece estar a sofrer um efeito de feminização cada vez mais acentuado (não só ao nível dos comportamentos, mas também dos discursos), a anoréctica recusa precisamente a feminização do corpo. Todos os traços (seios, ancas, nádegas...) e ocorrências (menstruação) que lembram que a menina está a devir mulher são progressivamente rasurados.
Num outro campo cultural, os dos criadores de moda, assiste-se também a uma certa rasura, desta vez em relação aos traços distintivos dos sexos, tornado-os cada mais indistintos, homogéneos, a-sexuados.
Não haverá uma certa ligação (não digo no sentido em que um seria o culpado do outro, como muitas vezes é sugerido) entre estes dois fenómenos: um deles recusando a diferença sexual e o outro a feminilidade?
Talvez seja preciso voltar a ler Freud!
24.11.06
Uma certa psicanálise...
"O número 3/4 de Afreudite, já disponível em http://afreudite.ulusofona.pt/, apresenta o trabalho de investigação efectuado, entre 2003 e 2006, pela Linha de Acção Psicanálise da Unidade de Estudo e Investigação em Ciência Tecnologia e Sociedade, da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, com o apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Os elementos desta Linha de Acção, quase todos membros da Antena do Campo Freudiano, desenvolveram as suas actividades de investigação em três direcções contemplando avaliações quantitativas e qualitativas: 1) a elaboração e aplicação de um Questionário sócio-demográfico para estudo da representação social da Psicanálise em Portugal; 2) uma recolha históricobibliográfica das edições portuguesas de textos de Psicanálise e afins; 3) e a recensão crítica de algumas dessas obras. A natureza empírica do referido inquérito levou a um debate mais vasto sobre a crença na objectividade do método. Através da discussão do Questionário é uma certa «Psicanálise» que é também colocada em questão. O restante deste número da Revista Lusófona de Psicanálise Pura e Aplicada é consagrado ao que de melhor se disse nas Jornadas de 2006 do Centro de Estudos de Psicanálise. Para além do tema geral, «A Paternidade em Crise», o leitor poderá igualmente inteirar-se de uma interpretação inédita da obra de José Saramago. Esta apresentação da investigação «lacaniana» em Portugal termina com o relatório do perito internacional que se deslocou a Lisboa para avaliar o trabalho da Linha de Acção e do Centro de Estudos de Psicanálise, o Vice-Presidente da Universidade de Rennes II, Professor Doutor Alain Abelhauser"
22.11.06
Mal-dita cocaína
Passados que são 150 anos sobre o seu nascimento, um pouco por toda a parte - e também em Portugal - o nome do criador da psicanálise, Sigmund Freud, continua a sucitar interesse, se bem que nem sempre pelas melhores razões. Um dos casos mais recentes é o da revista VIP (nº 488, de 22 a 28/11/2006).
É "sintomático" que a história descambe facilmente para a "anedota", o facto curioso, a piada (de bom ou mau gosto), o mito. Seria Freud um tarado sexual? Um viciado em cocaína?... Eis as perguntas que são colocadas, de forma recorrente e quase exclusiva, sobre o fundador da psicanálise. Tudo o mais é relegado para segundo ou terceiro plano, quando não é simplesmente esquecido.
Compreende-se, de alguma forma, que assim seja, na época de mediatização generalizada em que vivemos. Que importa às audiências, às massas, ao leitor anónimo a verdade (mesmo se Freud baseou a psicanálise no "amor da verdade") ou o real da coisa em questão. O que importa é que os mitos continuem a circular de mão em mão, de boca em boca, como moeda gasta, como diria Mallarmé.
Mas é por isso também que aqueles que são (raramente) chamados a dizer de sua justiça, possam esclarecer os equívocos, recolocando no seu devido lugar a página esquecida (ou a esquecer), sem a qual a história (da psicanálise) fica inevitável e irremediavelmente deturpada. Foi o caso, neste número da revista VIP, de José Martinho, representante em Portugal da Associação Mundial de Psicanálise, catedrático de Psicologia da Universidade Lusófona e presidente da Antena do Campo Freudiano.
Já agora: Freud era VIP (Very important person)? Sem dúvida, caso contrário, como teria sobrevivido 150 anos?
17.11.06
Um acontecimento
Um acontecimento não é só um facto ou uma ocorrência, um acaso ou uma eventualidade que se realiza de modo mais ou menos inesperado; é também algo ou alguém digno de nota, extra-ordinário, que rema (ou rima?) contra a maré dos "acontecimentos".
É um facto que Slavoj ZizeK é psicanalista e filósofo (conjugação improvável, segundo muitos). Ocorreu igualmente que ele se tornou, nos últimos anos, uma "estrela" em vários firmamentos. É, enfim, verdade que o seu pensamento é digno de nota, em particular na forma como, agarrando o fio de Ariadne deixado por Lacan, Hegel e Marx, entre outros, ele tem vindo a fazer o seu próprio caminho de forma singular.
O que é inesperado - até certo ponto - é que ele esteja a ser traduzido para português!
A culpada do feito é a Relógio de Água, para bem dos nossos pecados.
Mesmo que a igreja Católica venha dizendo às almas que já não há Inferno (era uma fantasia), Slavoj Zizek, diz-nos, com Lacan, que há real (é o nosso sintoma) com que temos de haver-nos; por isso, Bem-vindos ao deserto do real!
Mesmo que o discurso reinante diga que vivemos num universo pós-ideológico, o multiculturalismo despolitizado é, segundo Zizek, a nova ideologia do capitalismo global; por isso, é necessária uma certa dose de intolerância (daí o elogio da mesma) para que se possa elaborar uma crítica da actual ordem das coisas.
Mesmo que outros digam que o sujeito e a subjectividade são temas defuntos, Slavoj Zizek apela a uma subjectividade por vir, reinventada, que tenha em conta as relações com o real.
É por estas e por outras que vale a pena de-gustar o acontecimento!
26.7.06
A bulimia da lei
Se a recta é o caminho mais curto entre dois pontos, a burocracia é o caminho mais longo.
Que o digam as personagens de Kafka (o autor do "Processo", do "Castelo"...) que não cessam de não chegar ao destino.
Parece que nós, portugueses, somos essencialmente "animais burocráticos": legislamos sobre tudo. Não damos um passo (qualquer dia quase não respiramos) se não está na lei.
Aprecebendo-se disso - e muito bem - o governo decidiu criar há algum templo um plano chamado "simplex" para combater a burocracia.
Mas tal como o sol quando nasce não é para todos, também o "simplex" é só para alguns. Um exemplo é a trapalhada da educação onde se tem assistido a um furor legislativo e contra-legislativo até ao vómito. Por estas bandas, o que parece continuar a reinar é o "complex".
Quando a lei tudo pretende abarcar, acaba por tolher a acção. O excesso de uma é o defeito da outra. A vitória da primeira é a derrota da segunda.
Alguém já nos chamou "chineses da Europa". Descontando, claro está, o fado, o futebol e Fátima. Isso, eles não têm.
Quanto mais domina o "desejo da lei" mais sucumbe a "lei do desejo".
Um exemplo é o que vem consagrado na nova proposta do Estatuto da Carreira Docente. Se esta vingar - e com a famigerada "teimosia" e persistência da sra. ministra e seus pares assim será - os professores não vão fazer mais nada do que auto e hetero-avaliar-se.
Quando tudo se avalia, pouco se produz. A maior parte das coisas que fizeram um dia "acontecimento", se acaso tivessem sido avaliadas segundo as grelhas vigentes, teriam porventura "chumbado".
Em Portugal tudo se legisla porque "nada acontece, nada se inscreve" (José Gil).
Mas é preciso não esquecer - como dizia Lacan nos últimos anos do seu ensino - que "o real é sem lei".
22.6.06
O mito de Adam
A televisão - e não os poetas "cegos", como Homero ou Borges - é hoje a maior criadora de mitos. Talvez a palavra certa não seja criadora, mas fabricante. Na verdade, só os poetas criam; a televisão limita-se a "recriar", a fabricar.
Francisco Adam, o jovem actor falecido há algum tempo atrás, tinha tudo, diz-se, para vir a ser um mito. Até morreu cedo, como James Dean. O tempo encolhe a aura enquanto estica as rugas. Daí que seja necessário morrer cedo para subir às alturas.
Francisco Adam subiu às alturas, mas deixou, no corpo inerte, algumas relíquias: vestígios de cocaína, anfetaminas, cafeína. Sob o mito, um nada que era tudo para um sem número de admiradores, saltou à vista - embora não lhe fosse dado grande visibilidade - que também esse puto cultivava, em segredo, os seus "jardins proibidos", os seus "paraísos artificiais".
O fascínio era o "manto de noé" que cobria o "real" humano, demasiado humano, deste puto erigido em mito graças ao poder da televisão.
15.6.06
O poder da bola
Anda toda a gente doida com a bola. Durante aproximadamente um mês, se as coisas não derem para o torto mais cedo, quase ninguém pensa em mais nada. Parafraseando o poeta, não há machado que corte a raiz ao pensamento...da bola.
Até os políticos - da direita à esquerda, passando pelo centro - andam loucos com a bola. Na verdade, a bola está do seu lado. É a bola do poder. E eles sabem disso.
A prová-lo está um documentário que eu tive oportunidade de ver, há algum tempo atrás, num canal televisivo sobre a forma como o poder da "outra senhora" (curiosa forma de falar de um homem!) aproveitava os grandes desafios de futebol para celebrar o regime. Mudaram-se os tempos, mas permaneceu uma assutadora semelhança nos modos de proceder.
A bola tem o poder - num país em que nada acontece, nada se inscreve - de desviar, entreter ou ocupar o pensamento e anestesiar-nos o ser. É uma espécie de "naco de gozo" - e uma bola não é mais do que isso - que resta a quem não resta grande alegria no presente e esperança no futuro.
Passado um mês - ou até menos, se perdermos - tudo continuará igual: triste e cinzento. Não um Outro Portugal (segundo o nome que deu título a um seminário que José Martinho tem vindo a animar, durante todo este ano lectivo, no Centro de Estudos de Psicanálise, Universidade Lusófona), mas o mesmo de sempre.
A não ser que o poder da bola faça algum milagre!
1.6.06
Eles e elas
Há um programa na Sic Mulher em que eles falam delas, as mulheres, e elas falam deles, os homens.
Cada um dos sexos monologa, isto é, fala sozinho sobre o outro sexo.
Sem o outro sexo.
Eles falam da dificuldade de falar com elas.
Elas falam da dificuldade de falar com eles.
Entretanto, sobre esta não-relação, vai-se edificando, apesar de tudo, uma satisfação que reside na própria fala. Se não, como explicar que o assunto perdure, que teime em durar, programa após programa, se aquilo de que uns e outros se queixam é de que a coisa não anda entre eles?
Cada um dos sexos monologa, isto é, fala sozinho sobre o outro sexo.
Sem o outro sexo.
Eles falam da dificuldade de falar com elas.
Elas falam da dificuldade de falar com eles.
Entretanto, sobre esta não-relação, vai-se edificando, apesar de tudo, uma satisfação que reside na própria fala. Se não, como explicar que o assunto perdure, que teime em durar, programa após programa, se aquilo de que uns e outros se queixam é de que a coisa não anda entre eles?
31.5.06
O império da retórica
"Os professores não se preocupam com o sucesso dos alunos" (Maria de Lurdes Rodrigues).
O enunciado parece fazer sentido. Por momentos, acreditamos estar perante um juízo de facto, uma descrição de um estado de coisas. Contra factos não há argumentos, diz-se, por isso a argumentação tende a escassear. Vão-se desfiando uma série de lugares-comuns e é tudo.
Porém, sob o que se diz, naquilo que se escuta, tendemos a esquecer que se disse, que foi enunciado por alguém, visando um certo efeito, mais ou menos retórico, mais ou menos falacioso, mas sempre eficaz no grande público, anónimo, desejoso de um bode espiatório para onde expulsar os males de um Portugal que tarda em encontrar-se.
A estratégia parece delinear-se segundo uma lógica ou um padrão reconhecíveis: primeiro, lança-se o pânico - foi assim com a história do défice (primeiro ministro), da "segurança social" (ministro das finaças) - depois aplicam-se as medidas "impopulares". Anestesiados pelo medo (que não é só de existir, como dizia José Gil), passamos então a aceitar qualquer medida, por mais dura ou injusta que seja, como um mal menor.
Porém, se analisarmos a frase acima, relativa aos professores, além de vazia, ela é científicamente refutável. Em primeiro lugar, porque "o sucesso", em vez de ser um dado evidente, por si mesmo, carece de explicitação: de que falamos, afinal de contas, quando falamos de sucesso? Pode dar-se perfeitamente o caso de que aquilo que é sucesso de um certo ponto de vista seja insucesso de outro e vice-versa. Como diria Freud, há insucessos bem sucedidos, lapsos que funcionam, erros que são a mais verdadeira das verdades. Em segundo lugar, porque falar dos professores desta forma, em geral, como se de um universo se tratasse, implica que basta haver um professor que se preocupe com os alunos - e há muitos! - para a invalidar a frase.
No império da retórica em que vivemos, nunca foi tão urgente analisar o poder e o(s) seus(s) discurso(s).
O enunciado parece fazer sentido. Por momentos, acreditamos estar perante um juízo de facto, uma descrição de um estado de coisas. Contra factos não há argumentos, diz-se, por isso a argumentação tende a escassear. Vão-se desfiando uma série de lugares-comuns e é tudo.
Porém, sob o que se diz, naquilo que se escuta, tendemos a esquecer que se disse, que foi enunciado por alguém, visando um certo efeito, mais ou menos retórico, mais ou menos falacioso, mas sempre eficaz no grande público, anónimo, desejoso de um bode espiatório para onde expulsar os males de um Portugal que tarda em encontrar-se.
A estratégia parece delinear-se segundo uma lógica ou um padrão reconhecíveis: primeiro, lança-se o pânico - foi assim com a história do défice (primeiro ministro), da "segurança social" (ministro das finaças) - depois aplicam-se as medidas "impopulares". Anestesiados pelo medo (que não é só de existir, como dizia José Gil), passamos então a aceitar qualquer medida, por mais dura ou injusta que seja, como um mal menor.
Porém, se analisarmos a frase acima, relativa aos professores, além de vazia, ela é científicamente refutável. Em primeiro lugar, porque "o sucesso", em vez de ser um dado evidente, por si mesmo, carece de explicitação: de que falamos, afinal de contas, quando falamos de sucesso? Pode dar-se perfeitamente o caso de que aquilo que é sucesso de um certo ponto de vista seja insucesso de outro e vice-versa. Como diria Freud, há insucessos bem sucedidos, lapsos que funcionam, erros que são a mais verdadeira das verdades. Em segundo lugar, porque falar dos professores desta forma, em geral, como se de um universo se tratasse, implica que basta haver um professor que se preocupe com os alunos - e há muitos! - para a invalidar a frase.
No império da retórica em que vivemos, nunca foi tão urgente analisar o poder e o(s) seus(s) discurso(s).
19.5.06
O que há por detrás desta porta?
Para descobrir o que há por detrás desta porta, basta clicar sobre link seguinte:
http://afreudite.ulusofona.pt/
18.5.06
Verdade ou ficção?
Depois do livro, o filme. E a pergunta recorrente: será verdade ou ficção o que Dan Brown conta no seu livro: O Código Da Vinci?
Alguma "verdade" haverá, pois, caso contrário, não provocaria tanto "sintoma" nalguns dos visados.
Porém, vale a pena perguntar se este género de temática não se enquadra num movimento mais vasto (vejam-se as vitrines das livrarias, também elas vogando ao sabor desta onda) que leva cada vez mais pessoas a consumir desenfreadamente, como se de uma droga viciante se tratasse, este género de literatura e de filmes.
Numa era que tende a reduzir a zero a esfera do "privado", devassando-o sem pudor nem vergonha, não deixa de ser paradoxal este gosto pelo "oculto". Onde cheire a mistério, segredo, verdade escondida, aí está a mina de ouro.
Mas será que o "problema", o verdadeiro, está realmente oculto?
Gostava de confrontar a "des-ocultação" proposta por Dan Brown e seus seguidores com um excerto extraído de um romance de Ernst Jünger: O Problema de Aladino. "É precisamente - diz o narrador a páginas tantas - quando nada se encontra escondido que o problema se torna ainda mais inquietante" (Cf. tradução portuguesa, Edições Cotovia, 1989, p. 10).
7.5.06
Vacas e mais vacas
Não conheço bem a origem do fenómeno, mas a "moda" pegou. Há vacas por todo o lado.
Há coisas assim, que pegam. Lembro-me daquela frase de Forrest Gump - "Run, Forrest, Run" - que, dita pela mãe, se colou à vida do filho como uma "causa" que o fazia correr, errar.
Alguém teve a ideia (em si mesma um puro non-sense) e isso pegou, por contágio.
Se alguém perguntar "porquê a vaca", a resposta é: "e porque não?"
No fundo, como mostrou Duchamp com os seu "urinol" ou a sua "roda de bicicleta", na ausência da Coisa todo o objecto se equivale. Sublimar consiste em elevar o objecto à dignidade da Coisa (Lacan). Um objecto que pode ser tanto uma vaca como outra "coisa" qualquer.Cowparade, como lhe chamam, é também uma forma de sublimação.
Percebo agora por que é que o meu filho costuma apanhar "pedras" e outras "porcarias" do chão, levando-as consigo: são, por assim dizer, as suas "vaquinhas" em ponto pequenino.
4.5.06
Perplexidades
Li o extenso dossiê que o Expresso (Revista Actual) de 29 de Abril 2006 dedicou ao 150º aniversário do nascimento de Freud - dossiê, a vários títulos, interessante - e fiquei perplexo: num número dedicado quase inteiramente à psicanálise, faltam os psicanalistas. Está lá quase toda a gente: críticos literários, de cinema, de teatro, da dança, até um matemático (Nuno Crato), mas quanto aos psicanalistas, apenas algumas referências em discurso indirecto. E mesmo aí (veja-se o artigo: "Portugueses no divã", pp. 30-32) faltam nomes importantes da psicanálise em Portugal (onde estão, por exemplo, Pedro Luzes, José Martinho, Maria Belo, entre outros), ao mesmo tempo que surgem como psicanalistas pessoas que o não são. Não sei se a confusão é deliberada ou se resulta apenas de uma falta de informação, mas dá que pensar.
O que seria, por exemplo, um dossiê sobre matemática feito por quase toda a gente excepto por matemáticos (o que diria, nesse caso, Nuno Crato? Talvez tivesse de "recapitular" tudo o que aprendeu sobre a matéria), ou um dossiê de medicina sem médicos, ou, enfim, um dossiê sobre uma coisa qualquer de onde fossem arredados os mais interessados, os que "praticam", bem ou mal, a coisa em questão.
Outra perplexidade resulta da leitura de dois artigos, bastante críticos, assinados por Ana Cristina Leonardo: "O Rei vai Nu" (20-21) e "Erro ou impostura" (25-27). Fazem-nos crer os críticos de Freud que ele estava errado, que era um impostor e que esteve na origem de uma "pseudo-ciência"; enquanto isso, os ditos críticos, estariam certos, buscam a verdade e fundam os seus argumentos na verdadeira ciência. Mas, se é assim, porquê o sorriso nos lábios, a indisfarçável satisfação no modo de dizer, o "gozo" evidente na destituição do "mestre" de Viena? Não será, creio, por uma razão puramente "científica". Ou será? Como escreveu Elisabete Roudinesco: "Pourquoi tant de haine"?
Eu seria tentado a escrever, à maneira de Lacan: hainamoration, pois, na verdade, como mostra Freud no texto As Pulsões e suas vissicitudes, o amor e o ódio não são necessariamente contrários; o contrário do amor é a indiferença e não o ódio; e indiferença, pelos vistos e até ver, é coisa de que Freud, se estivesse vivo, não se poderia queixar.
2.5.06
Freud: o mal-entendido
Há um mal-entendido acerca de Freud, neste ano em que se comemoram os 150 anos do seu nascimento, que tende a persistir; tal reside na ideia de que Freud teria sido, antes de mais, uma espécie de "sexólogo", pelo menos a acreditar, por exemplo, no título do dossiê que a revista Visão dedicou recentemente a Freud: "O sexo, Freud e nós" (nº 686, 3 de Maio de 2006, pp. 76-90).
A imagem que mais parece associar-se a Freud, relegando tudo o resto para o baú das relíquias, continua a ser, cada vez mais, o sexo e a sexualidade. É isso que vinga, como um ícone, na cultura popular(ucha), que se impõe como uma ideia-feita, pronta a vestir ou a desvestir.
Para uns, Freud teria contribuído para "libertar" a sexualidade, para outros, pelo contrário, para a "reprimir"; uns acusando-o de "libertino", outros de "sacerdote" dos tempos modernos; uns chamando-o "revolucionário", outros, enfim, "reaccionário".
Parece haver um Freud para todos os gostos e até para o desgosto de muitos!
Porém, vale a pena, hoje que a sexualidade está por toda a parte, como um deus profano e panteísta, inundando tudo e todos, numa profusão sufocante, até ao limite da saciedade, segundo um voyeurismo crescente e impositivo, vale a pena, dizia eu, perguntar: por que é que essa "libertação" sexual não conseguiu calar a queixa e o sintoma, por parte de homens e mulheres, sobre a mesma, antes parece tê-la aumentado, como se a promessa de felicidade, que há em toda a "revolução", se tivesse revirado contra o sujeito, segundo uma lei feroz e obscena, que não pára de o fustigar.
Não será porque há algo de mais "real" do que as imagens fazem crer neste negócio do sexo e da sexualidade? Nesse caso, a "revolução", hoje, poderia consistir nisto: em afrontar-se a esse "real".
Aliás, não foi isso que fez aquele que, bem ou mal entendido, celebra(ria) este ano o 150º aniverário do nascimento?
22.4.06
As caixinhas em que nos metem
Talvez fosse melhor dizer: as caixinhas em que nos metemos ou deixamos meter. É que há nisto também, sem dúvida, uma responsabilidade nossa.
Serve isto de introdução para algo que vou contar. Um dia destes, uma colega minha pediu-me para preencher um questionário sobre a "maneira de ser" e a estratégia de lidar com o mal-estar no trabalho". Era para o filho, disse, que estava a realizar um trabalho para a cadeira x na universidade y.
A instrução dizia: responda de forma rápida, honesta e espontânea. De forma rápida e espontânea, vá que não vá; agora, ao mesmo tempo, de forma rápida, espontânea e, ainda por cima, honesta é obra!
O que é preciso é fazer sem pensar!
Por exemplo: pensar que, no fim de contas, depois de sermos metidos em caixinhas previamente definidas ficamos todos iguais, uniformizados, catalogados e bem arrumados, segundo etiquetas pré-definidas, perdendo, desse modo, o que nos singulariza e torna "objecção" a toda a ditadura do universal.
Um ser vivo, humano, dissonante em permanência, não cabe em "cinco possibilidades" (ou até que fossem mais...), sejam elas quais forem, por mais (pseudo) científicas que pareçam.
Só os mortos se podem "arrumar" e "catalogar" definitivamente.
11.4.06
Testemunhos
Há coisas - como uma psicanálise, por exemplo - que não são objecto de generalização, visto que não têm por "objecto" o que é igual para todos, antes o que é diferente e singular para cada "sujeito".
Contrariamente ao que crê uma certa retórica "cientista" e avaliativa, "ela não pode provar-se por melhorias mensuráveis; só pode experimentar-se por meio de um testemunho e transmitir-se através de um ensino que leve em conta o obstáculo que o sintoma opõe à teorização" (BADAL, C.-L.,"Sur le cognitivisme - le langage de l'homme sans qualité", L'anti livre noir de la psychanalyse. Paris: Seuil, 2006, p. 276).
Isto não significa que ela se oponha à ciência (que tem na objectividade a sua pedra de toque), antes que se propõe acolher e escutar o que a ciência exclui por definição: o sujeito.
É por estas e outras razões que a revista Règle du jeu (dirigida por Bernard-Henri Lévy) decidiu dedicar o seu número 30 (Janeiro de 2006), sob o título: psychanalyse: contre-attaque, a um enxame de testemunhos sobre a experiência psicanalítica ou a marca, diversa e singular, que o encontro com a psicanálise e/ou com um psicanalista gravou nos mais variados sujeitos.
23.3.06
Lisboa@com.fusão
Que um país esteja a mudar não se percebe apenas pela transformação da sua paisagem física e mental, mas também pelas mudanças na sua "paisagem" sonora: a música que se faz e escuta, o timbre e o sotaque das vozes, os tons, os ritmos...
Quem habita quotidianamente uma paisagem não se apercebe tão facilmente dessa mudança como alguém que vem de fora, trazendo um olhar ainda não completamente saturado de hábito.
É o caso, por exemplo, de Ariel de Bigault, uma parisiense que acompanhou, desde os anos 70, essa profunda mudança na "paisagem" portuguesa (sonora, arquitectónica ou outra), em especial a de Lisboa, onde vem frequentemente.
Lisboa@com.fusion é um disco que reune 17 artistas musicais, alguns mais representativos ou conhecidos que outros (e mesmo os mais conhecidos, como Madredeus, por exemplo, aparecem sob um aspecto familiarmente estranho), mas cada um deles ajudando a construir uma "paisagem" sonora que Ariel de Bigault, que fez a selecção dos artistas incluídos na colectânea e escreveu os textos, caracteriza - e bem, a meu ver - como sendo de "fusão".
Lisboa é cada vez mais uma com-fusão sonora, onde os sotaques diversos da língua portuguesa do espaço lusófono(Portugal, África, Brasil...) - neste ponto, ao menos, o malogrado Agostinho da Silva foi "visionário" - coabitam com outras línguas e outros sotaques, gerando, em conjunto alíngua (como escrevia Lacan) em que nos vamos des-dizendo.
Se "os sotaques enriquecem a língua portuguesa" - como escreveu Ariel de Bigault na introdução - então eu gostava de destacar, entre todas, uma interpretação de Lula Pena, logo a abrir o disco, de um repertório português e brasileiro, "sodade" e "rosinha dos limões". É o "sotaque" feito obra de arte.
21.3.06
Dia mundial da poesia
A poesia era a "ciência" de um tempo em que não havia ciência; num tempo em que (só) há ciência, o que é a poesia?
A poesia é a respiração da língua.
Toda a língua é morta (é dicionário) até que cada um de nós a faz respirar boca a boca, singularmente.
Num tempo em que a alma se retrai perante a linguagem fria da cifra, a inutilidade sagrada da poesia há-de ensinar-nos outra vez a respirar!
Ao sindicato dos poetas - se o houvesse! - diria, hoje, neste dia mundial da poesia: coragem, só mais um pouco de alma!
20.3.06
Uma arte de morrer
Com a morte de Fernando Gil, no Domingo, o pensamento em geral e a filosofia em particular ficaram mais pobres.
Recordo-me de ter escutado da sua boca, não há muito tempo, numa entrevista que o filósofo deu a um canal de televisão, o seguinte: interesso-me cada vez mais pelo que está antes e depois da ciência. Para alguém que dedicou grande parte da sua vida a reflectir sobre a ciência (Provas, Mimesis e Negação, etc.) não deixa de ser paradoxal.
Mas talvez o paradoxo seja aparente: com efeito, o que lhe interessava, desde os primeiros trabalhos, na ciência não era propriamente "científico", mas outra coisa: a prova, de que esta é capaz, a evidência para que aponta, mas que a transcende, a convicção que gera(é curioso que muitos dos testemunhos que pude ler hoje no jornal Público salientavam precisamente esse traço: "um homem de convicções fortes"), tal como veio progressivamente a evidenciar-se em trabalhos posteriores e mais recentes como: Tratado de Evidência, Modos de Evidência ou Acentos. E não se pode falar de "convicção", por exemplo, sem fazer entrar em jogo, ao lado do objecto científico, aquilo a que chamaria - não me ocorre outra palavra - um sujeito.
O que está antes e depois da ciência é também a vida e a morte. Fernado Gil, costumava dizer a propósito, parafraseando o velho Platão, que a "filosofia é uma arte de morrer".
Não é a morte, afinal, o último acento da vida?
A minha sentida homenagem!
14.3.06
Os nomes do Big-brother
Há quem tema ou acuse o motor de pesquisa Google de estar a tornar-se num novo Big-brother devido à quantidade de informação "privada" que tem vindo a acumular sobre todos nós à escala mundial.
Agora, porém, este motor de pesquisa foi a tribunal, na terça-feira, para defender os «direitos dos seus utilizadores», recusando-se a entregar as listas de dados exigidas pelo Departamento de Justiça dos EUA.
As autoridades norte-americanas exigiam que o maior motor de busca na Internet entregasse todos os dados disponíveis no sentido de melhorar o policiamento no ciberespaço. A empresa norte-americana afirmou que aceitar esta exigência iria pôr em causa a privacidade dos seus clientes e comprometer os serviços prestados.
Parece haver, por enquanto, um resto de pudor!
Ou será apenas um poder a fazer frente ao Outro?
7.3.06
Alfinetadas
A capa faz lembrar os velhos tempos em que as paredes serviam de suporte a escritos rebeldes e panfletários. E por que não dizer - sem medo da "traição" das palavras - que há algo de assumidamente "rebelde" em cada uma das "alfinetadas" (coups d'épingle) que constituem este Anti-livro negro da psicanálise!
Não se trata aqui de um estilo "defensivo" (como se a psicanálise estivesse ameaçada na sua produtividade ou fulgor criativo), mas antes um Contra-ataque (segundo o título que a revista La Règle du Jeu deu ao seu número de Janeiro último). Não um "contra-ataque" directo, imaginário, ao "Livro negro" - segundo o que o título pode sugerir - ou mesmo a este ou àquele autor, a este ou aquele relatório, a esta ou aquela medida, mas aos "fundamentos" (epistemológicos, clínicos, políticos e éticos) que estão na base dos recentes "ataques" à psicanálise.
Um a um, com ironia e humor, são desmontados os vários argumentos que sustentam a superioridade performativa de certas "práticas", designadamente as terapias cognitivo-comportamentais, relativamente à psicanálise.
E sobretudo, fica-se com a sensação, depois de ler os diversos artigos, que não está em causa simplesmente a oposição entre dois tipos de práticas "terapêuticas", mas, acima de tudo, de dois "conceitos" incompatíveis do ser humano.
A escolha é de cada um enquanto o mal (não) é de todos!
25.2.06
Novas muletas para o sono
Às vezes só muito dificilmente conseguimos segurar o sono.
Cientistas britânicos estão à beira de resolver o problema com a invenção de um fármaco que irá reduzir a necessidade de sono para apenas duas horas diárias sem que isso afecte o rendimento das pessoas.
Os mesmos cientistas sonham já - pois quando se fala de sono, o sonho anda por perto - em superar completamente a necessidade de sono, com base na compreensão do relógio biológico humano, durante vários dias consecutivos.
Depois da(s) pílula(s) da felicidade, do Viagra, cada vez mais duradouro e potente (isto faria, com certeza, as delícias de Jeremy Bentham, que acreditava que a felicidade residia no prazer e que este era medido segundo a duração e a intensidade), chegou agora a vez do fármaco do sono, melhor seria dizer, da vigília. E aí temos um novo e admirável indivíduo de alta performance, como se diz, por exemplo, dos automóveis.
Não se trata de pôr em causa este e outros conseguimentos técnico-científicos - muitos outros vêm já a caminho; o que é preciso, talvez, é interrogar o desejo que sustenta uma tal pretensão da tecno-ciência na era do discurso capitalista.
Com efeito, a quem interessa um sujeito-máquina (gadget), de alta performance, com pouca ou quase nenhuma necessidade de dormir, sem ser afectado no seu rendimento, sempre a produzir, qual trabalhador ideal que (ainda) não existe na realidade?
Vale a pena pensar nisto, como é costume dizer-se na RFM.
22.2.06
Père-versions
De vez em quando recebo um eco, uma prova de que ao-menos-um ou dois, não apenas entram neste blog, mas dão-se ao trabalho de ler o que nele escrevi.
Desta vez, recebi, para ser mais rigoroso, dois comentários: um do Francisco Alves, bastante crítico, dizendo que eu falava sem conhecer, ou conhecendo pouco, da obra imensa do pensador Agostinho da Silva; outro, da Alexandra Lúcio, estabelecendo um paralelo entre um excerto da minha "postagem" e uma hipótese emitida por Jean Pierre Caillot sobre a "perversão".
Ao Francisco Alves já respondi por e-mail; respondo aqui à Alexandra. Escolho, para isso, um outro texto de Agostinho da Silva, intitulado: "Sobre a ideia de Deus" (in Dispersos)
Sendo Deus um dos nomes-do-pai por excelência, o que vemos neste texto é uma certa "père-version"(como dizia Lacan) de Deus, ou seja, uma versão do pai segundo a qual "Pai e Filho, sujeito e objecto, tempo e eternidade, Deus e o mundo, são apenas as duas faces (aparentes) de uma mesma banda de moebius a que Agostinho da Silva dá o nome de "Espírito Santo". Ou talvez, melhor dizendo, se pudesse falar aqui de uma espécie de "nó de trevo", mas falso (Cf Lacan, Seminário XXIII, Le Sinthome, p. 92), de tal forma que há "um erro em alguma parte no nó a três que faz com que este se reduza ao "círculo" (rond). Sob os contrários, tão ao gosto de Agostinho da Silva, ou sob a Trindade (do Pai, do Filho e do Espírito Santo), há um-todo-absoluto: "dele se não pode falar, ou o sentimos ou não sentimos".
"Ecúmena" é um outro nome para este "Absoluto". E é por dever ser "uma nação ecuménica", segundo a expressão de Agostinho da Silva, que cabe a Portugal o papel de "quarto elemento" neste falso nó a três.
21.2.06
Os três impossíveis
Educar, governar e psicanalisar eram, para Freud, três nomes do impossível.
Há quem diga que Portugal é ingovernável, que não é educável nem mesmo psicanalisável, apesar das tentativas de fazer a psicanálise mítica (Eduardo Lourenço) do destino português.
Dito isto, tem havido por parte deste último governo, socrático, uma clara aposta na governação e na educação. Ele parece querer passar ao acto onde outros, como Guterres, não passavam do blá-blá-blá. Parafraseando Marx, onde aqueles se limitaram a pensar o mundo, este governo propôs-se transformá-lo. Em particular: o mundo da educação. Na verdade, para bem dos nossos jovens e do futuro radioso do país, não há mês, semana, dia em que não saia mais uma medida inovadora - e geralmente muito aplaudida por quem é leigo no asssunto ou eloquentemente falacioso, como José Lello, o propagandista de serviço deste governo: o Inglês, no Primeiro Ciclo, os planos de recuperação e desenvolvimento para o Ensino Básico, as substituições para o Básico e, agora, diz-se, para o Secundário, enfim, uma panóplia de remédios para sarar o mal-estar na educação.
Entre falar ou agir, pensar (muito) e decidir (pouco), a aposta é clara: agir, fazer, mesmo se em vão, de qualquer maneira, em cima do joelho. Agir de forma a que se veja, pois, como se diz, uma imagem vale mais do que mil palavras. Dar a ver tudo quanto se faz e desfaz.
O resultado? Uma luta de puro prestígio (Hegel) entre o governo, barricado, de um lado, e os sindicatos, do outro. Não se trata de ver quem tem razão, mas de medir forças. Não há diálogo, mas apenas dois monólogos. Nisto tudo, a educação não passa de um pretexto.
Quando a chama se extinguir, o que restará deste confronto político-educacional será apenas cinza ou algo mais?
Talvez então se perceba que não se trata de opor o dizer ao fazer, mas de bem dizer algo que faça acto.
13.2.06
Aqui há gato
Agostinho da Silva faria hoje 100 anos. Volta a falar-se dele um pouco por toda a parte: nos jornais, na rádio, na televisão.
Foi em finais dos anos oitenta que o conheci. Eu era estudante de Filosofia na Universidade Nova de Lisboa e ele uma celebridade. Num anfiteatro a abarrotar de alunos e professores, lembro-me que lhe fiz, timidamente, uma pergunta sobre...gatos. Que mais haveria de ser? Eu desconhecia tudo acerca do seu "pensamento" e, como ele, também gostava de gatos.
Nos anos oitenta, ele estava na moda. Estar na moda não significa que houvesse "consenso" em torno do seu discurso, da sua pose ou do seu pensamento. Pensando bem, a minha pergunta sobre "gatos" (mais concretamente, qual a relação dos gatos com a filosofia?) tinha um não sei quê de "cínico" e provocador. O mais curioso é que Agostinho da Silva, em vez de a rejeitar como impertinente, lá foi desfiando uma série de paradoxos, como era seu estilo, em torno da questão que eu lhe colocara. Afinal quem era aquele homem que levara a sério - mas sempre a brincar - uma pergunta colocada em jeito de graça?
Quem é este homem perante o qual voltam a ajoelhar-se uma série de personalidades, seduzidas por um certo "efeito de fascinação" que ele produz(iu)?
Talvez a sedução derive do facto de que ele era um pensador difícil de situar, atópico, paradoxal, "nómada" - como alguns lhe chamaram - criador ou envolto numa certa "aura" (Olga Pombo, hoje, na TSF). José Gil talvez lhe chamasse "nevoeiro": o nevoeiro que tem envolvido, ao longo de séculos, um certo pensamento e um sem número de poetas, pensadores e gente mais ou menos comum: Bandarra, Vieira, Pessoa, Agostinho, Oliveira (veja-se o filme sobre o "quinto império", todo envolto em nevoeiro)...
O "nevoeiro" faz-nos recuar, por temor ou respeito. Produz em nós um fascínio semelhante ao da cobra sobre a presa que vai ser devorada.
Estive a ler recentemente um texto de Agostinho da Silva intitulado "Ecúmena" (in Dispersos. Lisboa: Instituto da Língua e da Cultura Portuguesa, 1988). É um texto não muito longo, mas nele aparecem todas as virtudes e todos os vícios do seu "pensamento". "Ecúmena" é, talvez, a palavra que diz melhor acerca do desejo que o habitava: "o desejo supremo de fusão no uno" (op. cit., p. 227).
Afinal, sob a aparente multiplicidade e diferença, paradoxo e nomadismo de conceitos e termos, há um: desejo de fusão, de elimação dos contrários, de superação das antinomias, de redução da diferença ao mesmo. O "espírito Santo" (ligando pai e filho), o "quinto império" (ligando Portugal ao mundo, a passado ao futuro) são outros tantos nomes para esse desejo de anular a diferença com vista ao estabelecimento de uma "verdade total" (p. 240). Esta verdade total não é mais do que a explanação progressiva, segundo uma história sem história, do que cada povo é, mesmo antes de o ser, segundo uma ideia recorrentemente afirmada.
A atracção do um (mítico) deve-se ao facto de que ele é suposto esbater todos os entraves a um gozo que se imagina pleno, o gozo de que estamos estruturalmente separados pelo facto de sermos animais falados e falantes.
Talvez isto ajude a perceber a razão por que Agostinho da Silva gostava tanto de gatos (imagem da harmonia sonhada) e fazia a apologia de um ensino cuja missão era, in extremis, deixar ser (as crianças, os alunos...), deixar gozar, em vez de "ensinar", de-formar, en-formar. Rousseau não anda muito longe.
Dizia Agostinho da Silva na Última Conversa (Entrevista de Luís Machado, Casa das Letras, 1991): "Creio que, para aturar a vida presente, não é de paciência que precisamos; o que é preciso é acreditarmos no futuro com entusiasmo" (p. 89).
Mas não tem sido esta impaciência e incapacidade dos portugueses em relação à transformação do presente que nos tem secularmente atraído para um passado mítico (que nunca existiu efectivamente) e para um futuro místico (que nunca chega a existir)?
Apesar de tudo, há excepções - vou referir apenas duas - que nos dizem que é possível uma outra via.
Um povo que fez, do sintoma, música e canção: o fado.
Um escritor que fez, do sintoma, obra: Saramago.
O próprio Agostinho da Silva não está todo nessa cosmo-teologia. Valha-nos isso.
12.2.06
O presente de uma ilusão
O presente é o futuro do passado.
No passado, Freud - adepto das luzes - acreditava que a ciência haveria, no futuro, de destronar a religião; no presente (sexta-feira passada, mais concretamente), o papa Bento XVI responde que a ciência não é incompatível com a religião, que elas não são antinómicas.
A ciência esvazia o mundo de sentido e povoa-o com letras, números e formas geométricas; a religião faz o inverso: repovoa o mundo de sentido.
É por isso que a religião triunfa em toda a linha: com a ciência (a católica, apostólica e romana) ou sem ela (como é o caso de diversas formas de "fundamentalismo" que têm dado cartas nos últimos tempos).
Todo o sentido é, no limite, religioso. Quando mergulhamos no rio do sentido, acabamos, mais cedo ou mais tarde, por desaguar no "oceanário" da religião.
Porém - como dizia Lacan no dia 11 de Março de 1975 - "o real é o que é expulso do sentido".
6.2.06
Um Outro Portugal
Numa Universidade que se chama Lusófona, reflectir sobre Portugal e os portugueses não poderia vir mais a propósito.
Vem isto a propósito de um seminário sobre Portugal que, animado por José Martinho (Psicanalista, Professor Catedrático, Presidente da Antena do Campo Freudiano), aí tem decorrido semanalmente desde o início deste ano lectivo.
O que têm o psicanalista e a psicanálise a dizer de pertinente sobre esta questão? E o que têm Portugal e os portugueses a ver com a psicanálise e o psicanalista? Eis o fio de Ariadna que, lição após lição, vem sendo desfiado.
Semana após semana, um após Outro, de um Outro ao outro, para além do "medo de existir" (José Gil), da "ausência do pai" (Celeste Malpique) ou da e(in)terna saudade disto, daquilo e de Coisa nenhuma, vai ganhando corpo e forma Um outro Portugal.
5.2.06
O poder da caricatura
O mundo parece estar cada vez mais dividido em dois: os que conseguem rir (do sagrado) e os que não.
Já Umberto Eco, se bem me lembro, evocava no Nome da Rosa esta questão - avant la lettre - a pretexto do livro supostamente desaparecido de Aristóteles sobre a comédia.
O riso des-sacraliza. Deita a aura por terra. Fá-la cair, literalmente, na real - como dizem os nossos irmãos do outro lado do Atlântico. Revela "fragilidades" (invisíveis, ou que deveriam permanecer como tal) dos heróis, ofendendo, por isso, os seus seguidores.
Os recentes acontecimentos - despoletados na Dinamarca - a propósito de uma caricatura do profeta Maomé mostram que a "terceira" guerra mundial (uma guerra que não pára de começar), entre a seriedade e o riso, já começou efectivamente.
O riso pode ser uma arma de consequências imprevisíveis. Mas também uma marca civilizacional. Estou em crer que o grande salto (individual ou colectivo) é dado quando somos capazes de rir...de nós, tanto como rimos dos outros, ou com eles, sem que o riso (nos) fira como uma bomba.
Mas, por outro lado, o que parece falar ali, na caricatura da verdade, é esta mesma a dizer: tocaram-me na ferida.
Da mesma forma, a má consciência dos que se desfazem em desculpas ou tentam compreender o incompreensível, também diz, à sua maneira: tocaram-me na ferida.
E, assim, a verdade re-vela - como diria Lacan - que tem estrutura de ficção.
Já Umberto Eco, se bem me lembro, evocava no Nome da Rosa esta questão - avant la lettre - a pretexto do livro supostamente desaparecido de Aristóteles sobre a comédia.
O riso des-sacraliza. Deita a aura por terra. Fá-la cair, literalmente, na real - como dizem os nossos irmãos do outro lado do Atlântico. Revela "fragilidades" (invisíveis, ou que deveriam permanecer como tal) dos heróis, ofendendo, por isso, os seus seguidores.
Os recentes acontecimentos - despoletados na Dinamarca - a propósito de uma caricatura do profeta Maomé mostram que a "terceira" guerra mundial (uma guerra que não pára de começar), entre a seriedade e o riso, já começou efectivamente.
O riso pode ser uma arma de consequências imprevisíveis. Mas também uma marca civilizacional. Estou em crer que o grande salto (individual ou colectivo) é dado quando somos capazes de rir...de nós, tanto como rimos dos outros, ou com eles, sem que o riso (nos) fira como uma bomba.
Mas, por outro lado, o que parece falar ali, na caricatura da verdade, é esta mesma a dizer: tocaram-me na ferida.
Da mesma forma, a má consciência dos que se desfazem em desculpas ou tentam compreender o incompreensível, também diz, à sua maneira: tocaram-me na ferida.
E, assim, a verdade re-vela - como diria Lacan - que tem estrutura de ficção.
3.2.06
Ready-made
A prova de que os portugueses se espalharam um pouco por todo o mundo são as chamadas comunidades portuguesas.
Bem dito seria, então, dizer, em vez de comunidades, comundidades. As comundidades portuguesas.
Encontrei isto já feito, num texto que lia recentemente, e achei-lhe graça; será que o poder legislativo também acharia?
Seria bonito dizer, no próximo 10 de Junho: dia de Portugal, de Camões e das Comundidades portuguesas.
Nota bene: Peço desculpa ao autor do texto por não referir o seu nome, mas achei que podia tomar para mim este termo servindo-me dele como uma "carta roubada" (Poe) ou uma "roda de bicicleta" (Duchamp). Não estamos nós, afinal, na era do (a) roubo generalizado?
2.2.06
A função do nó
Num tempo em que os nós se desatam com uma extrema facilidade, não deixa de ser irónico - ou paradoxal - que as únicas pessoas que parecem fazer do nó uma questão crucial sejam os homossexuais.
Há quem imagine que eles já têm aquilo com que os outros sonham: liberdade, tempo, dinheiro...
Estarão eles dispostos a abdicar de tudo isso por um frágil nó que facilmente se desata?
Porquê esta atracção do nó?
29.1.06
De que "gozam" os portugueses
Escrevia José Saramago, num livro de crónicas, que nós, portugueses (pp. 159-161), para além de delegarmos muito, contentamo-nos com pouco. "Com três batatas no prato, futebol aos domingos, e feriados que calhem em dias da semana (com ponte, se possível), temos o português feliz. Somos sóbrios, de gostos simples, brandos nos costumes e amigos do nosso amigo - que nunca sabemos quem seja. Temos a vocação de uma boa vida, de uma vida regalada que com pouco se contenta. Somos bons e confiantes. Que Deus nos abençoe - que de nós não virá mal ao mundo. Nem bem."
Isto foi escrito no início dos anos setenta. Mudou alguma coisa, entretanto?
Talvez que este menu, se bem que não tenha mudado, já não mata a fome como dantes nem traz a felicidade.
Somos essencialmente os mesmos (o mesmo país em que nada acontece, como se diz, apesar da agitação), mas um pouco menos "simples" e com mais "complexos".
28.1.06
De que falamos quando falamos de amor
Esta pergunta do escritor R. Carver poderia servir de introdução à primeira encíclica papal de Bento XVI: Deus caritas est (Deus é amor)
É interessante que a encíclica comece por uma espécie de in-versão da frase de S. João onde se diz que o Verbo é amor; aqui começa por dizer-se que o amor é verbo, ou, mais à letra, que é, antes de mais, um problema de linguagem.
Dos termos gregos relacionados com o amor (eros, philia, agape), é sobretudo este último que é usado na bíblia, enquanto eros teria sido marginalizado; é pelo menos a crítica que muitos, em particular alguns filósofos, como Nietzsche, fazem ao cristianismo: como se este tivesse envenenado eros.
Mas será que o cristianismo destruiu verdadeiramente eros? É a pergunta de Bento XVI. O resto da encíclica é a resposta - negativa - a esta questão. É uma "história de amor" em duas partes.
É caso para dizer: a-deus Nietzsche. Deus (não) está morto. A religião triunfa, apesar do "império" da ciência.
http://www.vatican.va/phome_po.htm
É interessante que a encíclica comece por uma espécie de in-versão da frase de S. João onde se diz que o Verbo é amor; aqui começa por dizer-se que o amor é verbo, ou, mais à letra, que é, antes de mais, um problema de linguagem.
Dos termos gregos relacionados com o amor (eros, philia, agape), é sobretudo este último que é usado na bíblia, enquanto eros teria sido marginalizado; é pelo menos a crítica que muitos, em particular alguns filósofos, como Nietzsche, fazem ao cristianismo: como se este tivesse envenenado eros.
Mas será que o cristianismo destruiu verdadeiramente eros? É a pergunta de Bento XVI. O resto da encíclica é a resposta - negativa - a esta questão. É uma "história de amor" em duas partes.
É caso para dizer: a-deus Nietzsche. Deus (não) está morto. A religião triunfa, apesar do "império" da ciência.
http://www.vatican.va/phome_po.htm
23.1.06
Freud explica...?
Se alguém se sentir hoje - dia 23 de de Janeiro de 2006 - muito deprimido, saiba que a ciência explica.
Com efeito, segundo um matemático inglês, hoje é o dia mais deprimente do ano. Introduzindo um conjunto de variáveis - clima, dinheiro, expectativas, etc. - ele chegou a este resultado objectivo.
Por isso, segue o que sentes e consola-te por saberes cientificamente que não estás só na tua depressão. Não estamos sós.
18.1.06
Política e publicidade
Nas democracias representivas, a política já não consegue chegar aos cidadãos a não ser através da publicidade. (Cf. Jacques-Alain Miller, "Lacan et la politique", in Jacques Lacan, psychanalyse et politique, Cités, 2003).
Ora, acontece que a publicidade - apesar de ter um "poder" cada vez maior nas nossas sociedades - não tem "política", se entendermos esta como a arte ou a ciência do bem comum (da polis).
Sendo assim, o paradoxo é que a política depende cada vez mais do seu contrário.
Mas tal como na publicidade - que aumenta, de dia para dia, em sofisticação "formal" (para não dizer estética, pois aí tenho dúvidas) - também em relação à "publidade da política" é cada vez mais habitual a prática do zapping: quando entram em cena os candidatos, muda-se de canal.
É por isso que se ouve dizer com frequência, a propósito da campanha e pré-campanha para as presidenciais : "É muito tempo! Isto já devia ter acabado!"
Ora, acontece que a publicidade - apesar de ter um "poder" cada vez maior nas nossas sociedades - não tem "política", se entendermos esta como a arte ou a ciência do bem comum (da polis).
Sendo assim, o paradoxo é que a política depende cada vez mais do seu contrário.
Mas tal como na publicidade - que aumenta, de dia para dia, em sofisticação "formal" (para não dizer estética, pois aí tenho dúvidas) - também em relação à "publidade da política" é cada vez mais habitual a prática do zapping: quando entram em cena os candidatos, muda-se de canal.
É por isso que se ouve dizer com frequência, a propósito da campanha e pré-campanha para as presidenciais : "É muito tempo! Isto já devia ter acabado!"
16.1.06
Cento e cinquenta anos depois
Freud completaria este ano, se estivesse vivo, 150 anos.
O Magazine Littéraire (nº 449, Janeiro de 2006) abre as comemorações com um dossiê, bastante oportuno, sobre a "história da psicanálise através do mundo".
Na introdução, Jean-Louis Hue situa bem o problema ao pôr em confronto não apenas duas práticas "terapêuticas" que hoje se digladiam (as terapias cognitivo-comportamentais e a psicanálise), mas também e sobretudo duas "visões" do homem: uma que o tenta reeducar e uniformizar e outra que se afirma - nas palavras do autor - "como uma forma de resistência essencial: defendendo um sujeito livre" (p. 3).
Uma liberdade paradoxal, acrescentaria eu.
11.1.06
Os três EFES
10.1.06
O terceiro sexo
Homens "feminizados", mulheres "virilizadas": eis o que ganha terreno e audiência no espaço mediático.
O efeito (ou o desejo que o sustenta) é um progressivo esbatimento da diferença sexual, como se a milenar "guerra dos sexos" tivesse um estranho desfecho: a recíproca transformação dos beligerantes. Sem adversário não há guerra. É um sonho.
Livros, filmes, programas televisivos: tudo serve para dar a ver esta nova "metamorfose" bem pouco kafkiana de tão rotineira. Vamo-nos habituando a este novo "real".
A anatomia é cada vez menos o destino.
9.1.06
Publixação
Em Portugal, os grandes autores e as grandes referências ou não se publicam, ou não se lêem, ou não têm efeitos. Não fazem "acontecimento", como diria José Gil na esteira de Deleuze.
No entanto, parece que os números dizem que se publica cada vez mais. Há novos editores. Provalvelmente novos leitores.
Como explicar este paradoxo?
Eis a meu contributo para a reflexão: publica-se cada vez mais...para o lixo. Publixa-se.
Coisas breves, sem muitas "calorias", facilmente digeríveis, pois é preciso digeri-las bem para andar bem consigo e com os outros. Coisinhas pequeninas que dão um suplemento de "gozo" (bem doseado) à "vidinha" em que nos está a transformar o discurso "médico-científico". Coisas doces sem acúcar. Diet. Ligt. Soft.
É a preocupação com a "leveza". Até o director do Diário de Notícias , hoje, em entrevista à TSF, dizia que uma das características da nova cara do Jornal é ser mais leve e arejado.
Basta entrar numa grande superfície para ver que não há praticamente diferença entre os livros expostos e cebolas, alhos ou batatas. Coisas para consumir e...obrar.
Daqueles autores e daqueles livros que nos davam um murro no estômago quando os abríamos, quase nem se ouve falar. São demasiado "pesados"e indigestos para o tempo que corre.
2.1.06
Uma época sem vergonha
De um ponto de vista "analítico", mais do que julgar moralmente os acontecimentos (já Nietzsche, o filósofo, pugnava por uma interpretação para além do bem e do mal), importa destacá-los como "sinais" ou significantes do tempo, como reveladores de algo que muda ou que está a mudar, e suas implicações para o sujeito ou o homem desse tempo.
Um desses sinais reveladores é o fenómeno crescente de "exibicionismo" que parece contaminar todos os domínios, de que a televisão e a Internet são exemplos paradigmáticos na medida em que promovem ou espelham essa tendência no seu grau mais elevado.
Um exemplo disto é o afã com que se mostram, divulgam, publicam, publicitam, exibem...hoje aquelas "coisas" que tradicionalmente havia pudor em revelar, sendo, por isso, guardadas numa gaveta da alma, bem longe dos olhares indiscretos; excepcionalmente, algumas pessoas privilegiadas poderiam ter acesso a essas "intimidades".
O que mudou, entretanto, foi que passamos de uma época em que havia pudor em revelar, mostrar ou exibir certas coisas para uma época em que é "pudor" não as revelar, mostrar ou exibir.
Adiantamo-nos, assim, ao enigma no desejo do Outro propondo-lhe uma resposta: vê!
(Uma intimidade: dizia-me alguém, recentemente, que já não consegue abrir todos os e-mails que enchem quotidianamente a sua caixa de correio electrónico e ver todas as imagens - supostamente interessantes - que lhe dão a ver. Assim, a uma nova modalidade de gozo acrescenta-se uma nova forma de angústia).
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