31.5.06

O império da retórica

"Os professores não se preocupam com o sucesso dos alunos" (Maria de Lurdes Rodrigues).

O enunciado parece fazer sentido. Por momentos, acreditamos estar perante um juízo de facto, uma descrição de um estado de coisas. Contra factos não há argumentos, diz-se, por isso a argumentação tende a escassear. Vão-se desfiando uma série de lugares-comuns e é tudo.

Porém, sob o que se diz, naquilo que se escuta, tendemos a esquecer que se disse, que foi enunciado por alguém, visando um certo efeito, mais ou menos retórico, mais ou menos falacioso, mas sempre eficaz no grande público, anónimo, desejoso de um bode espiatório para onde expulsar os males de um Portugal que tarda em encontrar-se.

A estratégia parece delinear-se segundo uma lógica ou um padrão reconhecíveis: primeiro, lança-se o pânico - foi assim com a história do défice (primeiro ministro), da "segurança social" (ministro das finaças) - depois aplicam-se as medidas "impopulares". Anestesiados pelo medo (que não é só de existir, como dizia José Gil), passamos então a aceitar qualquer medida, por mais dura ou injusta que seja, como um mal menor.

Porém, se analisarmos a frase acima, relativa aos professores, além de vazia, ela é científicamente refutável. Em primeiro lugar, porque "o sucesso", em vez de ser um dado evidente, por si mesmo, carece de explicitação: de que falamos, afinal de contas, quando falamos de sucesso? Pode dar-se perfeitamente o caso de que aquilo que é sucesso de um certo ponto de vista seja insucesso de outro e vice-versa. Como diria Freud, há insucessos bem sucedidos, lapsos que funcionam, erros que são a mais verdadeira das verdades. Em segundo lugar, porque falar dos professores desta forma, em geral, como se de um universo se tratasse, implica que basta haver um professor que se preocupe com os alunos - e há muitos! - para a invalidar a frase.

No império da retórica em que vivemos, nunca foi tão urgente analisar o poder e o(s) seus(s) discurso(s).


1 comentário:

Anónimo disse...

Tens RAZÃO...
O José Gil é que tem RAZÃO no artigo publicado esta semana na revista Visão.
Está na hora de do Governo ter "..o afastameno da sociedade civil"..
Alda