29.6.05

A verdade e a mentira

Segunda-feira, no programa da RTP1 que se chama "Prós e contras", um dos intervenientes - Medina Carreira - recebeu aplausos da platéia quando, num tom convencido emproado, de quem é dono da verdade, disse mais ou menos isto (cito de memória): As coisas só vão andar quando for dita a verdade, toda a verdade, e não a mentira às pessoas.

Uma tal declaração cai bem nos tempos que correm. É louvável. Porém, importa saber, antes de mais, se é possível dizer toda a verdade.

Todo aquele que faz ou já fez, por exemplo, uma psicanálise, sabe, por experiência própria, que dizer toda a verdade é o mais difícil, se não mesmo impossível. A verdade escorrega como areia por entre as palavras. Ao dizer a verdade, mentimos. Falar é co-mentir a verdade. A estrutura da verdade é a ficção (Lacan).

Se não acreditam em mim, aqui fica o testemunho de alguém que me supera, de longe, na arte de bem-dizer :

VERDADE

"A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.

"Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E a segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
se capricho, sua ilusão, sua miopia." (C. Drummond de Andrade)

1 comentário:

Anónimo disse...

verdade e mentira ... um paradoxo! a mentira é em si uma verdade