22.6.07
A grande ilusão
Na introdução à obra de Gilles Lipovetsky, Sébastien Charles escreve, a certa altura, o seguinte: "sob o reino da moda total o espírito é menos firme mas mais receptivo à crítica, menos estável mas mais tolerante, menos seguro de si mesmo mas mais aberto à diferença, à prova, à argumentação do outro."* E um pouco mais à frente: "(...) o trabalho das luzes prossegue, os indivíduos saem da sua menoridade e são cada vez mais capazes de examinar livremente, de se informar, de pensar por si mesmos (...)**
Não será esta a "grande ilusão" do nosso tempo?
É verdade que nos tornámos mais "reivindicativos" e menos "submissos" (em relação ao Outro) - pelo menos na aparência; que damos mais facilmente a nossa opinião sobre (quase) tudo; mas tal não significa que somos mais "críticos" ou que a nossa opinião revele uma capacidade de "examinar livremente" ou de "pensar por si mesmo" (basta pensar, por exemplo, na quantidade de opiniões que circulam pela rádio, pela televisão, pelos jornais, pelos blogues...): elas repetem-se umas às outras, como se não importasse o que se diz, mas apenas dizer. A publicidade que é feita aos telemóveis - apelando a cada um de nós que fale, fale... mesmo que não tenha nada a dizer - é um bom exemplo disso.
Por outro lado, não há nada menos seguro do que a ideia de que nos tornámos mais "tolerantes" (apesar da ideologia que faz supor o contrário) ou que estamos mais "abertos à diferença" ou à "argumentação do outro".
O verdadeiro "espírito crítico" pressupõe um certo distanciamento (espacial, temporal, afectivo...) em relação aos acontecimentos; ora, na era do instantâneo e do efémero, parece não restar muito espaço nem tempo para a "crítica".
Nesse aspecto, Gilles Lipovestsky tem razão: tornámo-nos essencialmente "hiperconsumidores".
*Gilles Lipovetsky, Sébastien Charles, Les temps hypermodernes. Éditions Grasset & Frasquelle, 2004), p. 31.
**Ibidem, p. 32.
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