3.1.07

Mais duas pérolas

A relação entre a psicanálise e a filosofia esteve sempre longe de ser fácil ou evidente. O encontro (possível) entre as duas traduziu-se, a maior parte do tempo, num desencontro ou, até, algumas vezes, num mau encontro.

Do lado da Filosofia, por exemplo, após um breve período de algum "namoro", fascínio ou, nalguns, encantamento em relação à coisa psicanalítica, foi o silêncio quase absoluto. Salvam-se, aqui e além, breves - e geralmente sarcásticas - anotações.

Do lado da psicanálise, a grande preocupação parece ter sido, quase sempre, a de demarcar-se da filosofia: aquilo que nós, os psicanalistas, fazemos, não é uma visão do mundo, nem uma filosofia, nem nada que se pareça.

Tudo isto é justo. Há que pôr os pontos nos is e marcar as diferenças.

Contudo, como sublinhava há algum tempo uma psicanalista, Marie-Hélène Brousse, num artigo dedicado precisamente a um filósofo, Descartes, importa talvez rever a questão da psicanálise e da filosofia, na justa medida em que se considere que a psicanálise não é "toda" terapêutica e que uma experiência analítica levada até ao seu termo diz mais respeito à ética ("Variations sur le cogito", in Des philosophes à l'envers. Horizon. Nº Hors-Série. Janeiro 2005).

Slavoj Zizek, simultaneamente filósofo e psicanalista, tem dado corpo, à sua maneira - e de forma singular - a esta "revisão".

É por esta e outras razões que é de saudar a publicação, pela Relógio de Água, de mais dois livros seus.









2 comentários:

Igor Lobão disse...

Está bom Filipe?

O Zizek é, sem dúvida, uma personagem intrigante e deveras interessante.

Sinceramente, não sei se ele será psicanalista, apesar de o considerarem como tal, ele próprio numa entrevista que deu em 2003 afirmou que não era psicanalista. Não sei hoje se ele se "autoriza" a ser psicanalista, apesar de os "media" o autorizarem.

É-me difícil ver, penso que não é muito claro, que ele procure uma complementaridade entre a filosofia e a psicanálise. Penso que ele vai articulando e produzindo um discurso muito singular a partir desse hiato onde ambas se desencontram.

Talvez esse seja o lugar onde ele, sujeito divido (diria eu, entre a psicanálise e a filosofia), faz qualquer coisa, de inovador, com a sua própria divisão.

Começei a ler a sua tese de mestrado. Muito interessante na forma como (também) pegou nesse lugar onde a filosofia e a psicanálise encontram-se num des-encontro. Logo que terminar lhe darei a minha opinião.

Igor

Filipe Pereirinha disse...

No prefácio à tradução de alguns textos de Zizek, Alain Abelhauser escrevia o seguinte em 1999: "(...) por isso se demonstra todo o respeito que o autor tem pela psicanálise - a ponto de não poder decidir-se a exercê-la, senão no plano da crítica filosófica e política."("Subversions du Sujet - Psychanalyse, Philosophie et Politique": Presses Universitaires de Rennes, 1999). Há aqui qualquer coisa de "ético"... penso eu de que!
F.P.