13.1.11

Nas nuvens

Não estou a ver-me proprietário de uma "nuvem". Era este o lamento de Franscisco José Viegas, no seu último Diário de ocasião (Revista Ler, Janeiro 2011), a propósito da recente criação, por parte do Google, de um leitor (ebook) de livros on line, sempre acessíveis, uma vez que não estarão alojados num determinado hardware, mas existirão virtualmente numa "nuvem". 

A nuvem (cloud) em questão, embora não existindo fisicamente, é cada vez mais a habitação dos humanos: para comunicar, para ler, para escrever, enfim, para quase tudo. Estar nas nuvens tem qualquer coisa de apelativo, que atrai os corpos para cima, como as árvores, num movimento que desafia a gravidade. Ainda assim, muitos daqueles que gostam mesmo de livros, teimam em resistir ao apelo das nuvens. A nossa vida está a mudar muito rapidamente e sinto-me um reaccionário - escrevia Francisco José Viegas.

As nuvens é uma conhecida peça de Aristófanes; mas o que nele era cómico, tornou-se ultimamente um caso  sério. Estamos a assistir, progressivamente - e a um ritmo cada vez mais acelerado - à desmaterialização do mundo. E isso pode dar-nos a ilusão de que o real - a chuva que cai realmente da nuvem - já não faz estragos. Mas faz.

1 comentário:

Carlos Pereirinha disse...

Tenho dúvidas sobre se o progresso vai no sentido da desmaterialização. É verdade que a matéria muda de aspecto. Descalcifica-se, torna-se algo etériea, porventura mais flexível. Mas, se a aparente consistência, que detectamos, por exemplo, ao tocar o tampo de uma mesa, facilmente nos faz esquecer a fina realidade reticular (onde o vazio ganha ao pleno) que, a nível microscópico, a constitui - também, relativamente ao ciberespaço, temos de reconhecer o carácter imprescindívelmente presente de alguma "palpável" instrumentalidade. Para lermos um livro, temos de pegar nele, abri-lo, olhar o texto. Duma maneira ou doutra, os (hiper)textos que na net circulam só são verdadeiramente reais no momento da sua material apresentação ao nosso olhar...