1.12.05

O beijo da polémica

Klimt Gustav, O Beijo


Algures, numa escola do país, duas jovens são vistas a beijar-se.

Estala a polémica e muitos comentadores se dão ao trabalho de tecer considerações sobre o facto (até o consagrado António José Saraiva lhe dedica, no Expresso, algumas linhas).

A perspectiva adoptada pela generalidade dos que tomam a palavra tem um cariz “moral”: deve ou não permitir-se, tolerar-se, etc. que duas jovens se beijem em frente de outros, nomeadamente os seus colegas de escola, funcionários ou professores.

O que faz aqui sintoma?

É verdade que beijos entre alunos sempre houve desde há muitos anos – sobretudo depois que a revolução de Abril soltou o beijo – mas agora trata-se de um beijo entre alunas. É, portanto, um beijo homossexual. É a homossexualidade, nomeadamente entre mulheres, que aqui faz (ainda) sintoma.

Por outro lado, se os beijos entre alunos sempre existiram, eles eram furtivos, clandestinos, jogando às escondidas com os outros: professores, funcionários, pais. A sua magia parecia residir no interdito, no fruto proibido. Os enamorados retiravam-se para onde o olhar do Outro (é ainda o tema glosado por Orwell no seu 1984) não os pudesse surpreender.


É por isso que talvez valha a pena, em vez de enfileirar na polémica moralizante, mudar de ângulo e tentar perceber se neste gesto banal do quotidiano não se revela uma mudança de paradigma que vai mais além de saber se o beijo é homo ou heterossexual.

Não vivemos nós numa “sociedade transparente” (G. Vattimo) ou do “espectáculo” (G. Debord) onde tudo tem de ser mostrado, exibido, onde a intimidade é esconjurada como um demónio ou espírito maligno? Não passamos nós a viver numa “servidão voluntária” perante o olhar imperial do Outro (quer ele se chame panóptico, big-brother, televisão, Internet e sei lá que mais)?

Um novo imperativo passou a comandar-nos: Mostra!

É de um gozo escópico que aqui se trata.

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