Tem-se vivido em Portugal (e não só) nos últimos tempos uma "crise de confiança". Os investidores não investem porque desconfiam do futuro; os consumidores não consomem porque desconfiam do presente; uns e outros desconfiam disto e daquilo. Se ao menos houvesse, pensamos nós, pensa o presidente, uma "droga da confiança"...
E é que há mesmo!
Segundo um artigo de António Damásio na revista Nature (cf. Courrier Internacional, 8 a 14 de Julho de 2005, p. 44), a "ocitocina" (de acordo com um estudo levado a cabo por Michael Kosfeld e seus colaboradores do instituto de investigações empíricas de economia da Universidade de Zurique) a ocitocina tem um papel importante nas manifestações de confiança no homem.
Uma dúvida legítima que poderia surgir a partir daqui é se os partidos políticos não se verão tentados a aspergir a multidão com ocitocina nos comícios dos seus candidatos. É uma dúvida formulada pelo próprio Damásio.
Mas pensemos bem: não é verdade que isso já aconteceu? O próprio Damásio reconhece que as técnicas de "marketing" actuais produzem uma secreção natural de moléculas, como a ocitocina, em reacção a estímulos adaptados. Ora, pensemos bem, qual é o estímulo utilizado por todos os políticos, sem excepção, nas últimas campanhas eleitorais? A "fala vazia". A fala que tudo promete durante a campanha eleitoral - levando à segregação da molécula da confiança - para depois tudo retirar. Daí que, defraudadas nas suas expectativas, as pessoas se sintam, com razão, desconfiadas. Porque haveriam de confiar?
A confiança é algo que se ganha ou se perde, aumenta ou diminui, na convivência social. Não é uma coisa que exista por si mesma, independentemente das circunstâncias, da experiência. A não ser que andemos sempre "drogados" de confiança; mas isso também tem o seu preço.
Já agora: porque é que há sempre tendência nestas investigações científicas (neurobiológicas) de esquecer que o homem não é só um animal como os outros, mas também um ser "de palavra". Um ser que dá a sua palavra, que arrisca ou compromete a sua palavra. Dizemos de alguém que merece confiança: é um homem de palavra. Se vivemos num mundo em que a palavra (do Outro) é cada vez mais esvaziada de substância, não terá isso algo a ver - a par, para além ou para aquém da "ocitocina" - com a crise de confiança que atravessamos?
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