31.1.05

A (in) (cons) ciência da felicidade

Da Visão (nome de revista) espera-se que tenha... visão.

Da ciência, espera-se que tenha...ciência.

Um ciência com visão é uma dádiva de Deus.

Vejamos então, resumidamente, qual o achado pretensamente científico do último número da Visão (27 de Janeiro a 2 de Fevereiro de 2005): que há uma ciência da felicidade.

Mentira, digo eu!

1. O conceito de felicidade não é unívoco nem tem valor universal. Por isso Kant, um dos tipos que mais remexeu nestas coisas, chegou a dizer que o nosso objectivo não é a felicidade, mas a dignidade: tornar-se digno de ser feliz.

2. A felicidade não faz história. Ninguém lê ou escreve histórias de felicidade. Bem, deve haver alguns, apesar de tudo; caso contrário, a Visão não teria investido tempo e dinheiro nesta área.

3. As únicas histórias felizes que nos comovem, isto é, que nos agitam, que mexem connosco, pondo-nos fora de nós são as que têm um fim abrupto, interrompidas precocemente por esta ou aquela fatalidade (nós, portugueses, adoramos a fatalidade!).

4. Eis porque Romeu e Julieta há-de continuar a fascinar gerações, mesmo se na inversa proporção dos leitores que realmente vão ler essa obra. Precisamos do sal da infelicidade para temperar a nossa existência.

5. É o barco que vai ao fundo (Titanic) que nos mantém a moral em cima, à flor das águas. É o martírio, a paixão, a catástrofe, a tragédia que nos dão ânimo (veja-se a avalanche de imagens, ditos, reportagens, entrevistas, comentários sobre aquele desastre ocorrido lá longe, aqui tão perto).

6. Pode haver, n0 fundo de nós, a fantasia da felicidade, mas é o sintoma in-feliz que resite, que dura, que não envelhece. Tudo serve para o alimentar. Por vezes, até a própria felicidade nos pode fazer infelizes. E o contrário também: extraímos muitas vezes da infelicidade um naco de felicidade.

7. O desejo de felicidade eterna é inconfessavelmente um desejo de morte: que o tempo páre!

8. A ciência da felicidade é uma impostura.





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