Diferentemente do polvo, que "acerta" tudo (o que é suposto acertar) e não consta que duvide, nós duvidamos. O ser falante duvida.
O mundo "líquido", dominado pela incerteza e pelo risco, está aí para ajudar. A civilização torna o sujeito cada vez mais histérico (insatisfeito) e, simultaneamente, mais obsessivo (sujeito à dúvida permanente).
Nesse contexto, faz sentido retornar à questão da dúvida. É o que acontece com o último número da revista Le Magazine Littéraire (Nº 499, Julho-Agosto 2010), consagrada ao tema.
Contrariamente a Descartes, que via na dúvida apenas um caminho provisório para se chegar a uma certeza indubitável, absoluta e definitiva, sendo esta, por assim dizer, a cura para aquela, as coisas podem ser vistas de outro modo: afinal - como se diz na revista citada - "são as certezas que nos enlouquecem" e não a "dúvida".
Na página de abertura do dossiê (48), pode ler-se esta bela frase de kant: "Mede-se a inteligência de um indivíduo pela quantidade de incertezas que ele é capaz de suportar."
Daí que alguns - como o nosso Pessoa - pudessem dizer: duvido, logo escrevo.
Que eu saiba, nem os mortos nem os animais duvidam. Ou os deuses. Duvidar é um privilégio dos seres seres falantes. Para o seu bem e para o seu mal.
Ou não será?
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