4.3.10

A hora do crepúsculo

Dizia Clarice Lispector, numa bela expressão, que o crepúsculo é a hora de ninguém (Cf. A Hora da Estrela).

Desconheço se o filósofo Michel Onfray já leu alguma vez Clarice, mas sei com toda a segurança que leu bastante Nietzsche, o criador da expressão: "crepúsculo dos ídolos". De tal forma que decidiu intitular o seu último livro, a sair em breve: "O crepúsculo de um ídolo. A efabulação freudiana".

Na apresentação que faz do seu livro, num dossiê consagrado A Freud (Lire, Março 2010, pp. 32-49), o autor começa por desfiar uma série de acusações relativamente ao inventor da psicanálise, todas elas começadas por "se" (se Freud isto, se Freud aquilo) para concluir do seguinte modo: "então, como explicar o sucesso de Freud, do freudismo e da psicanálise durante um século?"

Se Freud isto e aquilo, como explicar que ele permaneça tão vivo, a ponto de continuar a desencadear tamanhas paixões? Os mortos não são (geralmente) atacados, a não ser em caso de vandalismo, não é verdade? E Freud não pára de fazer comichão...

Que há erros na obra (o próprio Freud, acusado por Michel Onfray de desonestidade, o reconhece), avanços e recuos no método (é próprio de tudo o que começa) ou contradições no homem (Freud) não deixa de ser verdade e já foi, por muitas vezes, denunciado. Mas aquele que estiver livre de contradições que atire a primeira pedra!

Aliás, o que é um pensamento livre de contradição? Não será o sonho de muitos filósofos, por exemplo, ao longo da história da filosofia: um saber absoluto, sem falha e sem resto, fechado sobre si mesmo? Nesse caso, bem aventuradas as contradições freudianas.

Só os mortos não são contraditórios.

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