31.5.05

Um "segredo" que ninguém nos pode extorquir...

Há coisas que partilhamos naturalmente com os outros e coisas que guardamos só para nós, na intimidade, longe de olhares indiscretos.

Pode acontecer que estas se tornem, com o tempo, uma carga demasiado pesada para transportarmos sós. Procurámos então partilhar a carga, confessar o "pecado", dizer a alguém o "segredo" que nos pesa na alma: pode ser a um amigo íntimo, a um padre, a um psicanalista...

"Partilhar" é uma maneira de dizer, pois, a maior parte do tempo, continuamos a falar sozinhos, a monologar...com o outro. O psicanalista, no caso, não dialoga connosco, raramente intervém, fala pouco. Não que esteja sempre calado, mas não fala muito. Às vezes faz uns ruídos que nos incomodam, em maior ou menor grau, e nada mais.

Com o tempo - é preciso tempo! - esgotado o que sabemos dizer sobre nós, podemos ser acometidos pela sensação de que nos roubaram a alma, pois ela era feita, julgávamos, desse tesouro íntimo que tão zelosamente guardávamos dentro de nós. Ou julgar que tudo é vão, que a "vaidade - como diria o nosso Matias Aires - é aquilo de que o mundo todo se compõe". Que tudo era simulacro, "semblant". Não não valeu a "pena", o sofrimento, o preço que pagámos...

E, no entanto, ainda não demos nenhum passo para lá do que sabíamos. Nem um! Dissemos apenas coisas que nos eram familiares, humanas, demasiado humanas, de um modo ou de outro.

O passo que falta dar é conseguir dizer...aquilo que não sabemos. Impossível? Mas é esse o coração de uma análise levada suficientemente longe.

Não se trata aqui do confronto com um segredo oculto que se possa dizer (extorquir ou publicitar), mas do confronto com o inter-dito: aquilo que só é dito po metade em tudo quanto se diz.

Ninguém nos pode extorquir esse segredo (nem mesmo nós próprios) porque, simplesmente, não é segredo nenhum.

(Ocorreram-me estas reflexões quando ouvia Jacques-Alain Miller, um psicanalista lacaniano, na radio "France Culture")

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