Mais do que "o medo de existir" (José Gil), talvez seja mesmo a tolerância o que nos define.
Somo um povo tolerante. Seja qual for o serviço prestado, a actividade em que estejamos empenhados, o pedido que façamos e assim por diante, é suposto haver alguns momentos, horas, dias, meses, anos, vidas de tolerância. E ninguém se queixa porque é uma prática habitual. A campaínha toca para a entrada e tanto professores como alunos sabem que podem contar com um tempo que tolerância. Aliás, isso já está "inscrito" (apesar de tudo, em certas coisas, somos o país da "inscrição") nos próprios horários. Temos uma consulta marcada com o médico x para a hora y e sabemos de antemão que vamos ter de aguardar meia hora, uma hora ou talvez mais para, no fim, sermos desatendidos a despachar e pagarmos caro por isso (não falo dos hospitais, que aí a coisa é pior). Utilizamos a A1 - no sentido Lisboa-Porto ou Porto Lisboa - e deparamo-nos com um caminho de cabras durante vários quilómetros. Pedem-nos tolerância pelas obras em curso; não nos queixamos, é para nosso bem; mesmo que não haja tolerância nas portagens! Enfim: somos tolerantes.
A invenção mais fantástica que fizemos - o que prova sem sombra de dúvida que somos mesmo tolerantes - foi a da chamada "tolerância zero". É sintomático: em vez de dizer ou de escrever "sem tolerância ou, mais simplesmente, "não se tolera", conseguimos contornar a questão, dizendo: "tolera-se...zero". A "tolerância zero" não é o mesmo que "intolerância"; é aquela reduzida ao mínimo grau.
Em maior ou menor grau, somos tolerantes.
2 comentários:
Será que o sucesso d'"o medo de existir" não traz, sem querer, de volta às reduções identitárias?
A verificar...
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