A ironia socrática consistia no seguinte: dizendo que nada sabia, levava os outros a confessar a sua própria ignorância.
Nada mais oportuno! Sócrates - o nosso - confessou que "nada sabia" acerca do real valor do défice; caso contrário, não teria dito, redito e desdito o que disse.
Porém, se "todos sabiam", lá no fundo, que o barco há muito tinha começado a afundar, não seria melhor dizer que Sócrates "não queria saber disso", que recalcava como o comum dos mortais?
Mais do que a "douta ignorância" do Sócrates filósofo, trata-se aqui, talvez, de uma "paixão da igorância". Guterres apregoava a "paixão da educação"; Durão Barroso e cª, a "paixão do défice"; Sócrates, a "paixão do não saber". Paixão também no sentido daquele que "sofre", que é vítima. Foi uma coisa que lhe tramaram...
O que ressalta disto (e onde direita e esquerda se têm confundido nos últimos tempos; daí que a proposta "romanceada" de um voto em branco - José Saramago - talvez não fosse inteiramente descabida) é a "crise" da relação do sujeito com a palavra. Um desprezo pelo valor da palavra. Com efeito, qualquer deles (seja da direita, do centro ou da esquerda) parece estar disposto, em tempo de campanha, a "empenhar" a palavra, a dar a sua palavra - como se diz -, mas o que acaba depois por vir ao de cima é uma palavra "empenada" (o que tanto pode significar "adornada com plumas, emplumada" como "entortada ou deformada"); uma palavra "vazia", sem substância ou conteúdo; uma moeda gasta que circula...em vão; uma palavra que não faz acto.
No fundo é a nossa relação com o Outro - de cada um de nós, em particular; de nós, portugueses, europeus, cidadãos de um mundo e uma idade em que o Outro não existe ou coxeia - o que aqui nos detém e interpela.
Mas também: qual é a "satisfação", o gozo que tiramos deste (ab)uso da palavra? Satisfação tão bem reflectida, em espelho, nesse dito que corre por aí, de boca em boca, repetido até à exaustão e sempre com um sorriso nos lábios: "eles falam, falam..." (Gato Fedorento).
Se o dito nos toca e faz rir é porque, de um modo ou de outro, nos revemos nele: também nós falamos, falamos..., mesmo que baixinho, para que ninguém nos oiça!
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