Não houve aqui um tremor de terra, mas muita coisa caiu. Caiu o governo, caíram máscaras - muitas haverão, porventura, ainda de cair - e choveram sobretudo acusações, de parte a parte: de quem é a culpa, quem são os responsáveis, quem tem afinal razão?
A neurobiologia (ver Damásio) tem insistido na importância e no papel da emoção para o (bom) funcionamento da razão. Contrariamente a grande parte da tradição filosófica (Descartes, Kant, entre muitos outros), apostada em domar, domesticar, submeter a emoção à razão, a investigação provinda da neurobiologia tem insistido sobretudo, ou igualmente, na disfunção, inoperância ou ineficácia da razão sem o contributo, precioso, da emoção.
Tomando o exemplo da política portuguesa nos últimos anos, é fácil concluir que a emoção não tem faltado; o que tem faltado, em grande medida, é o contributo da razão.
Não há dúvida: a nossa democracia parece ter incorporado bem a lição da neurobiologia, tornando-se bastante "emotiva".
E quando a emoção se serve ainda de toda a panóplia de figuras de retórica, o seu efeito "teatral" é ainda mais eficaz.
Como entender, então, uma frase do género: "acabou o teatro!" Como efeito, ainda, do excesso de emoção; como entrada da razão em cena (na cena política); ou apenas como mais uma frase dita por um actor que acaba de entrar em palco?
Nesse caso, o teatro vai continuar. Com as consequências (bem menos teatrais) que já conhecemos.
A ver vamos.
2 comentários:
Será que cairam as máscaras? Ainda agora estamos no início...
Claro que o teatro continuará. Nem outra coisa é possível. Sim, Shakespeare tem razão e a vida é mesmo um palco. O Filipe coloca bem a questão em termos de análise sobre o papel da razão e da emoção na determinação do que é feito em palco (ainda que me pareça que o tom não faz justiça aos que reabilitaram a emoção).
Emoção e razão: essa é a nossa realidade. Numa expressão que faz lembrar Nietzsche, o ser humano é uma corda estendida entre a emoção e a razão.
O problema da nossa cultura (e também o problema da nossa falta de cultura)tem passado pela negação que os eruditos fazem da emoção e pela negação que os «incultos» fazem da razão. Lembrando a sábia ética aristotélica, a virtude está em encontrar o difícil equilíbrio entre emoção e razão. É interessante recordar ainda Aristóteles na sua célebre definição do homem como animal racional; repare-se que ser humano é ser «animal» e «racional», uma síntese entre estes dois atributos, uma síntese entre emoção e razão. Infelizmente, a civilização ocidental esqueceu ou secundarizou Aristóteles na sombra do mestre Platão, pelo que em vez de procurar a «justa medida» na relação entre os dois atributos, dedicou-se a abafar o animal (a emoção) sob a tirania da razão.
Pensadores como Damásio mais não estão a fazer do que a aprofundar a linha aristotélica, sustentando essa orientação filosófica em árduo labor científico. Bem hajam. A tirania da pureza platónica, tal como a tirania da pureza católica e a tirania da pureza muçulmana, enfim todas as tiranias associadas a todas as pretensas purezas já fizeram demasiado mal à humanidade.
O que tem isto a ver com as máscaras e a sua relação com a política e com os políticos profissionais? Talvez o problema não esteja nas máscaras e em saber quem as usa. Todos estamos no palco, todos as usamos. Podemos mesmo dizer que a máscara é o produto da síntese que cada um faz entre a razão e a emoção no palco da sua existência. Pena é que não sejamos firmes e francos a mostrar e assumir a máscara que cada um tem. Pena é que tenhamos múltiplas máscaras que vamos substituindo conforme é mais conveniente, deixando de haver uma identidade, substituída por um quase-ser isto agora e aquilo já a seguir e que nunca chega a ser verdadeiramente nada. Este é um problema muito visível no nosso tempo, particularmente visto e grave (pelas suas consequências) no caso dos políticos profissionais.
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