3.10.10

Filme do Desassossego

Acabei de regressar, há algum tempo, do CCB. O auditório foi pequeno - literalmente - para tantas pessoas que não queriam perder o último filme de João Botelho, baseado na obra do semi-heterónimo de Fernando Pessoa, Bernardo Soares. Não houve Coca-Cola nem Pipocas (como pedia o realizador), mas um silêncio atento do princípio ao fim.

Confesso que eu amo o livro de Bernardo Soares desde que o li pela primeira vez, já lá vão mais de vinte anos. Ao longo das inúmeras releituras que fiz deste livro, ele sempre teve a capacidade de me surpreender. Por isso, ia com poucas expectativas; foi o que disse, aliás, a quem me acompanhava.

Mas talvez não fosse bem assim - e - como se diz na gíria psicanalítica - tudo não passasse de uma "denegação", isto é, um modo de afirmar, negando. Na verdade, eu tinha muitas expectativas, demasiadas...

Por isso, talvez por isso, não partilho das várias opiniões (unânimes) expressas nos inúmeras comentários que tive ocasião de ouvir e ler entretanto sobre o filme de João Botelho: magnífico, esplendoroso, sublime...

Há sequências magistrais, sem dúvida; fragmentos que valem por si mesmos; desempenhos irrepreensíveis; mas há também inúmeros trechos desenquadrados, inconsequentes e, sobretudo, assentes num mero virtuosismo (exibicionismo?) estético. É um filme demasiado saturado de palavras  (por opção deliberada do realizador) e, igualmente, de imagens; mas faltam, para mim, aquelas "intercalações de luz e sombra" (não sei como dizê-lo melhor senão recorrendo a esta frase de Bernardo Soares) que fazem tinir em cada palavra a campainha do silêncio e em cada imagem o brilho do que fica na sombra.

O livro do desassossego está repleto de vazios, cheio de pequenos nadas, é tecido de intervalos, de meios tons; eu esperava, talvez, que este filme, mais do que reproduzir muitas falas do livro, pondo-as na boca, ora de um, ora de outro personagem, quase sempre do próprio Bernardo Soares (Cláudio da Silva), pudesse "mostrar" um pouco desses intervalos e meios tons. Mostrar o que a palavra roça, contorna, mas não diz.

Talvez eu tivesse demasiadas (infundadas?) expectativas. Admito.

2 comentários:

Jorge Willian da Costa Lino disse...

Quando se trata de Pessoa sempre tenho a mesma sensação: espero muito, até porque adoro o poeta. Espero que o filme chegue no grande circuito do Brasil.
Um abraço e gosto muito dos teus textos

Anónimo disse...

Pois sim...o livro não é do Bernardo Soares...nem do Pessoa...nem do Guedes...o livro é nosso e o filme não...porque digo isso? Porque na leitura, todas imagens somos nós que criamos, o filme nos tira essa possibilidade, de alguma maneira reduz o nosso olhar...Reduz é forte. Mas, é Pessoa...nenhuma filme seria igual ou superior ao mundo criado por ele e recriado por nós.
Cláudia.