7.11.05
Ex-centri-cidades
Aqui há uns anos vi um filme de que não recordo nem o título nem o nome do realizador. Contudo, recordo-me bem que era um filme de um jovem cineasta francês e a acção decorria numa das periferias de Paris. Além disso, os movimentos do filme eram ritmados pelo tique-taque, impressivo, de um relógio-bomba, pronto a explodir a todo o momento, só não sabíamos exactamente como e quando.
Ao ver as imagens dos últimos dias sobre o caos que se instalou nas periferias de Paris e de outras cidades francesas, veio-me à memória essa imagem do filme. Fiquei a pensar: eis um caso onde a realidade imita a ficção! Talvez porque a ficção, neste caso, tenha captado alguma coisa de "real" que a própria "realidade" teimava em escamotear, em não deixar ver.
E se isto, que agora acontece em Paris, fosse apenas a ponta do icebergue? Se não tivesse apenas a ver com uma cidade ou um país em concreto mas com um modelo de civilização? Se isto fosse um "sinal dos tempos", como já alguém disse?
Que é um sinal dos tempos, prova-o não só o acontecimento em si, mas também a cobertura mediática do mesmo. Tudo se transforma em espectáculo, em reality-show.
Ao ler as palavras de um dos "incendiários" (Público, 7 de Novembro, p. 3), fiqui também a pensar se não estaríamos aqui perante uma modalidade de argumentação ("in extremis"), quando todas as outras falham. Dizia ele, um miúdo de 18 anos, que "não há maneira de lhes chamar a atenção. A única forma de comunicar com eles é incendiando". Trata-se, portanto, de mostrar, de dar a ver.
Só que a argumentação pressupõe o "uso" da palavra. A palavra não é a coisa. Aqui trata-se de inflamar coisas e não discursos. Daí que, em vez de uma forma de argumentação, me parece mais a falência da argumentação. Quando se perdeu o esteio da palavra, só a "passagem ao acto" parece funcionar.
À "deflação" da palavra corresponde uma "inflação" da imagem.
Mas há também outra coisa. O crescimento das cidades (como muitos outros crescimentos) faz-se à custa de uma "exclusão interna", do nascimentos de espaços de exclusão dentro da inclusão, de territórios estranhos (onde é difícil entrar) dentro do território, de periferias que vão "descentrando" o centro, até o tornarem num espaço cada vez mais vazio ou, então, numa fortaleza.
Num mundo globalizado (sem um exterior, sem Outro), estamos condenados a encontrar/produzir esse Outro "dentro de nós", no nosso espaço, sob a forma de exclusão.
De vez em quando, a céu aberto, esta exclusão irrompe.
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3 comentários:
Quem vive embriagado pelo mundo fantásico e irreal dos meios de comunicação não se apercebe que hoje se cria toda uma odisseia a partir do nada.
No caso concreto dos acontecimentos em França, as televisões permitem aos jovens o que o governo lhes nega, isto é, um palco para representar as tristezas da vida. Infelizmente aqui não se trata de representação mas de acção criminosa. Será que dar espaço, em directo e a cores, à imagem do crime não costitui em si mesmo outro crime?
Salut Filipe! Le filme que tu as vu s'intitule "La Haine" de, et avec Mathieu Kassovitz.
Bisoux
Alexandra
Merci, Alexandra!
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