17.11.05

O campo afreudisíaco


Quando se entrelaçam Freud e Afrodite, o resultado é Afreudite, uma revista de psicanálise pura e aplicada, onde pontuam diversos nomes, nacionais e estrangeiros, ligados de uma forma ou de outra à psicanálise de orientação freudo-lacaniana, entre eles o famoso Slavoj Zizek - a quem já chamaram "an academic rock star" ou "the Elvis of cultural theory"*

Um poeta brasileiro (Haroldo de campos) deu o mote afreudisíaco deste primeiro número.

Actualmente, a revista está disponível on-line**; em breve, estará on-paper na livraria das Edições Universitárias Lusófonas (Campo Grande) ou numa livraria perto de si.

* http://www.zizekthemovie.com/

** http://afreudite.ulusofona.pt/

14.11.05

Retrato


Slavoj Zizek (1949), doutor em Filosofia e em Artes, é investigador superior do Instituto de Estudos Sociais de Liubliana, Eslovénia, e Professor visitante na New School for Social Research de Nova Iorque e da Universidade de Paris VIII. Nos últimos quinze anos participou em inúmeros simpósios sobre crítica cultural, filosófica e política e teve uma participação polítca activa na República da Eslovénia. Entre os seus livros contam-se: Tudo o que queria saber sobre Lacan e nunca se atreveu a perguntar a Hitchcok, Goza o teu sintoma, Por que não sabem o que fazem, O espinhoso sujeito, entre muitos outros. É um dos raros "filósofos" que domina e leva a sério a subversão introduzida no pensamento contemporâneo pelo ensino de Lacan. Nele se poderá aplicar não só a expressão de Jacques-Alain Miller que diz que a psicanálise causou um "trauma" na filosofia ("Psychanalyse-philosophie", Des philosophes à l'envers". Nº Hors-Série: Horizon, Janeiro 2004, pp. 100-101), mas igualmente que "subverteu" o modo tradicional de "filosofar".

Para mais informações bibliográficas: http://lacan.com/bibliographyzi.htm

10.11.05

Goza!

Tem-se visto, ouvido e lido nos últimos dias um pouco de tudo a propósito dos "acontecimentos" nas periferias de muitas cidades francesas.

Serão "inconscientes" os jovens que provocam tamanho caos?

A minha resposta é: NÃO!

O inconsciente é uma espera, uma espécie de desvio por uma "outra cena" (pensemos em Halmet, sempre a adiar o acto); estes jovens (muito jovens, cada vez mais jovens) têm pressa e vão a direito. Já não podem (ou não querem) esperar mais, como dizia um deles.

Têm pressa de quê? De gozar. Se não podem gozar aqui e agora, destroem tudo o que assinala o (possível) gozo de outros. Carros, casas, etc. Destroem tudo até...à auto-destruição. Pois a exigência do gozo não tem limites.

O Inconsciente é o domínio da fala e da linguagem; estes jovens actuam à letra, no real. Deixaram de assinar a revista do inconsciente. Deitaram-lhe fogo.

Eles não são inconscientes; são o inconsciente a céu aberto, no real, quando deixou de haver distância entre as palavras e as coisas, quando "incendiar" já não é uma metáfora, uma figura de retórica, mas um acto.

O inconciente é o domínio do sonho. Se por vezes o sonho termina em pesadelo, acordamos dele para...continuarmos a dormir de outra maneira; estes jovens não dormem (e não sonham) para continuarem o pesadelo, no real, noite após noite.

O desejo inconsciente implica dialéctica, mediação; aqui não há dialéctica nem mediação. Como se houvesse um imperativo cada vez mais exigente a sussurar ao ouvido: goza!

Será que o discurso filosófico da racionalidade do ser humano (tem de haver racionalidade nisto!) ou o discurso psicológico da compreensão (devemos compreendê-los, apesar de tudo!) estão à altura do "real do gozo" que aqui se manifesta?

Repostas do real

Supõe-se que uma resposta vem depois da pergunta, mas nada é menos evidente.

Acontece por vezes que só mais tarde, a posteriori, conseguimos formular uma pergunta para uma resposta que já foi "real-mente" dada.

Ela chegou orfã, sem uma imagem que a enquadre, uma palavra que a nomeie, uma expectativa que a acolha. Irrompeu, sem nome, inesperadamente.

Só depois conseguimos balbuciar timidamente a pergunta: o que foi isto? como foi possível ter acontecido? Será que podemos ainda pensar, como Hegel, que todo o real é racional?

Eis algumas das perguntas que eu próprio coloquei ao ver arder, na periferia de Paris e de outras cidades francesas, o fogo do ódio.

7.11.05

Ex-centri-cidades


Aqui há uns anos vi um filme de que não recordo nem o título nem o nome do realizador. Contudo, recordo-me bem que era um filme de um jovem cineasta francês e a acção decorria numa das periferias de Paris. Além disso, os movimentos do filme eram ritmados pelo tique-taque, impressivo, de um relógio-bomba, pronto a explodir a todo o momento, só não sabíamos exactamente como e quando.

Ao ver as imagens dos últimos dias sobre o caos que se instalou nas periferias de Paris e de outras cidades francesas, veio-me à memória essa imagem do filme. Fiquei a pensar: eis um caso onde a realidade imita a ficção! Talvez porque a ficção, neste caso, tenha captado alguma coisa de "real" que a própria "realidade" teimava em escamotear, em não deixar ver.

E se isto, que agora acontece em Paris, fosse apenas a ponta do icebergue? Se não tivesse apenas a ver com uma cidade ou um país em concreto mas com um modelo de civilização? Se isto fosse um "sinal dos tempos", como já alguém disse?

Que é um sinal dos tempos, prova-o não só o acontecimento em si, mas também a cobertura mediática do mesmo. Tudo se transforma em espectáculo, em reality-show.

Ao ler as palavras de um dos "incendiários" (Público, 7 de Novembro, p. 3), fiqui também a pensar se não estaríamos aqui perante uma modalidade de argumentação ("in extremis"), quando todas as outras falham. Dizia ele, um miúdo de 18 anos, que "não há maneira de lhes chamar a atenção. A única forma de comunicar com eles é incendiando". Trata-se, portanto, de mostrar, de dar a ver.

Só que a argumentação pressupõe o "uso" da palavra. A palavra não é a coisa. Aqui trata-se de inflamar coisas e não discursos. Daí que, em vez de uma forma de argumentação, me parece mais a falência da argumentação. Quando se perdeu o esteio da palavra, só a "passagem ao acto" parece funcionar.

À "deflação" da palavra corresponde uma "inflação" da imagem.

Mas há também outra coisa. O crescimento das cidades (como muitos outros crescimentos) faz-se à custa de uma "exclusão interna", do nascimentos de espaços de exclusão dentro da inclusão, de territórios estranhos (onde é difícil entrar) dentro do território, de periferias que vão "descentrando" o centro, até o tornarem num espaço cada vez mais vazio ou, então, numa fortaleza.

Num mundo globalizado (sem um exterior, sem Outro), estamos condenados a encontrar/produzir esse Outro "dentro de nós", no nosso espaço, sob a forma de exclusão.

De vez em quando, a céu aberto, esta exclusão irrompe.



5.11.05

Dicas para estar "in"


Deves estar sempre conectado, ligado, hiperligado. Desligar-se é crime. Liga-te!

A sociedade da transparência em que vives não permite opacidades. Mostra-te!

A sociedade da contínua agitação não permite intermitências. Agita-te!

A sociedade do espectáculo não consente tempos mortos. Vive!

A sociedade do consumo não tolera os que não consomem. Consome!

A sociedade do uniforme não aceita quem se dispa dele. Veste-te!

As sociedades anónimas não permitem que digas o teu nome. Cala-o!

A sociedade das estrelas não suporta a escuridão. Acende-te!

A sociedade de velhos, em que estamos a tornar-nos, não suporta a velhice. Plastifica-te!

A sociedade que muda, que muda sempre e não suporta a mudança, que exige que mudes e que não mudes, que estejas parado e andes ao mesmo tempo, que é contraditória e inconsistente, inconsistente e contraditória, sem lógica nenhuma, exige... o que é que ela exige de ti, na ânsia crescente e desmesurada, sempre a crescer desmesurada-mente...exige que respondas sim.

out!

Desliga-te
Não te mostres
Fica quieto
Morre
Não consumas
Despe-te
Não te cales
Apaga-te
Não respondas sim
Mas antes, como Bartleby, preferiria não


Ou talvez inout
Ou talvez outin
talvez touni
talvez nitou