29.9.09

Soltar ou prender a língua?

Um pequeno artigo que tive a oportunidade de ler no último número do jornal Expresso (25 de Setembro, p. 44) chamou-me a atenção para um ensaio de Lera Boroditsky, investigadora e professora de psicologia e neurociência da Universidade de Stanford, intitulado: How Does Our Language Shape the Way We Think.

Nesse artigo, a investigadora referida demonstra que as pessoas que falam diferentes línguas pensam diferentemente. A língua afecta não só o pensamento, mas também a forma como vemos o mundo ou vivemos as nossas vidas.

Se a tese não é propriamente nova, pois já a "hipótese Sapir-Whorf" havia trilhado essa via, ela tem, não obstante, um interesse redobrado: não só porque, vindo de onde vem, possui uma consistência científica que lhe dá credibilidade, mas igualmente porque, vinda de onde vem, acaba por lançar uma nova acha para a fogueira da controvérsia que opõe aqueles que defendem a "primazia da linguagem" (Heidegger, Lacan...) e aqueles (Damásio, por exemplo) que a "secundarizam", como se esta fosse apenas um epifenómeno relativamente ao pensamento, às imagens ou aos mapas neurais.

O artigo do Expresso, por outro lado, não deixa de ter um redobrado e paradoxal interesse: é que, depois de falar de um ensaio em que é defendido o carácter determinante da língua no modo como pensamos, ele acaba por concluir o seguinte: "Por isso, todos -médicos, investigadores, cientistas, universidades, empresários, investidores e políticos - devem falar a mesma língua; a da inovação , empreendedorismo, motivação, produtividade. Portugal e a Europa beneficiarão desta qualidade."

Falar a mesma língua significa, neste contexto, pensar da mesma maneira, ou de uma maneira só. Sem alteridade.

Não é isto o que justifica que um dia depois, no seguimento do resultado de umas eleições em que o povo, soberanamente, decidiu que não queria que se falasse uma só língua no parlamento (para não se pensar de uma maneira só), algumas vozes se ergueram para dizer que vinha aí o caos, o perigo da ingovernabilidade, e que era porventura trágico o cenário que se avizinhava?

Será que o luto do salazarismo não cessa de não se efectuar entre nós? Que o "ritual" da celebração do 25 de Abril, ano após ano, como tem relembrado José Gil, não passa de uma forma vazia, de um faz de conta, de um puro simulacro?

Quando falamos uma só língua, podemos entender-nos melhor, mas aquilo que dizemos é mais pobre, mesmo que aumente a produtividade.

Um dia - lá chegaremos! - há-de falar-se na Europa (quiçá no mundo) uma só língua, pois falar várias línguas custa muito dinheiro, é improdutivo e gera um sem número de mal-entendidos.

Mas que será de nós, então, repetindo, em eco, banalidades ou meras tautologias?

1 comentário:

Jorge Rocha disse...

Caro Filipe,
não sei se é justo dizer que Damásio secundariza o papel da linguagem. Ele inscreve o seu pensamento no quadro do evolucionismo, aparecendo a linguagem tardiamente no desenvolvimento de novas formas de vida, mais complexas e eficientes. Mas do aparecimento tardio da linguagem na história da vida não decorre a sua menor importância na formação da consciência humana. A ideia do aparecimento tardio da linguagem vai chocar frontalmente com as perspetivas criacionistas de muitos dos que o contestam. É um grande confronto: a milenar tradição filosófica e religiosa (a ordem dos adjetivos devia ser a inversa)contra a pujante investigação tecno-científica atual. Apesar do azedume dos conservadores, é a linha de Damásio que é mais promissora e permitirá novas e ricas abordagens na descoberta do que é a humanidade.