31.7.09

Olhar para outra coisa

Ver não é a mesma coisa que olhar. Os cegos, por exemplo, ainda que não possam ver, podem olhar.

O olhar não se detém; é errante por natureza. Não se fixa. Ver é fixar o olhar. Para onde se dirige, então, o olhar daquele que olha, atento ou indiferente ao que vê?

Tendo, há algum tempo atrás, de deslocar-me ao Norte de Portugal por razões do foro académico, aproveitei para respirar um pouco os ares de Guimarães. Nesta bela e tranquila cidade, berço da nação portuguesa, há um castelo, como sabemos.

Havia turistas que entravam, enquanto outros saíam do castelo. Os que entravam (na verdade eu só pude transpor o limiar da entrada, visto que a hora do encerramento se aproximava) subiam, quase sem excepção, para os parapeitos das muralhas, olhando a paisagem que ficava em redor do castelo.

É algo em que muitas vezes (e em muitos lugares) eu tenho pensado. Entramos num castelo, numa torre...simplesmente para olhar...o que está cá fora. O interior e o exterior, em vez de serem lugares opostos, são como que atados, con-torcidos ou enovelados pelo fio do nosso olhar.

Não é a coisa vista que nos move, mas o olhar (para outra coisa) que ela nos suscita. É assim, também, a natureza do desejo: um desejo de outra coisa.

21.7.09

O nariz de Michael Jackson

Como todo o artista (e homem!) que se preze, Michael Jackson era um poço de contradições: ao mesmo tempo que ganhava rios de dinheiro, morreu atolado em dívidas; enquanto o seu corpo se entregava ao martírio da transmutação (de um negro vivo para um branco cadavérico), à procura da mítica beleza ou harmonia entre a imaginação e a realidade, os seus "telediscos" exploravam constantemente a fealdade mais distorcida e excêntrica; ao mesmo tempo que foi obrigado a crescer demasiado depressa, por obra e graça da "fantasia" do pai, ficou condenado a viver na "terra do nunca" (Neverland), por obra e graça da sua própria fantasia.

Michael Jackson não gostava de ver-se ao espelho (diz algures) nem de falar: fazia-se ver, expondo-se. Fazia-se olhar.

O pai (que pai era este?) costumava dizer que não era o papá de ninguém, enquanto chicoteava com o cinto o primeiro dos filhos que se atrevesse a cometer a mais pequena falha na execução musical.

Ao mesmo tempo que dava como exemplo o trabalho de Michael (ponham os olhos nele!), o pai costumava zombar do seu nariz (feio e achatado).

De todas as metamorfoses a que foi progressivamente sujeito o corpo de Michael, talvez a mais espectacular se prenda com o nariz. Michael Jackson fez literalmente o contrário do que é hábito dizer às crianças: não mexam no nariz! De facto, ao longo da vida ele não fez outra coisa: mexer e remexer no nariz.

Ele odiava tanto o seu pai que às vezes chegava a vomitar. Consta que ele foi excluído do testamento de Michael. Mas não foi a sua vida toda (ou quase) movida por isso mesmo que ele parecia odiar tanto, em particular essa frase, essa frases vociferadas por esta autêntica père-version, como diriam os franceses?

O contrário do amor não é o ódio, mas a indiferença. O pai de Michael Jackson era tudo menos indiferente para este.