2.6.08
Uma velha e respeitada senhora
Com a recente eleição de Manuela Ferreira Leite para comandar os destinos do maior partido da oposição, volta de novo à ribalta a relação entre "verdade e política", segundo um conhecido texto de Hannah Arendt. Nesse texto, a autora pergunta-se, a certa altura, se a mentira não fará parte intrínseca dos políticos.
Os políticos contornam geralmente esta realidade, fingindo ou fazendo de conta que dizem a verdade. Sabemos todos, por experiência recente, o que isso significa. Mais cedo ou mais tarde, a verdade, como se diz, vem ao de cima.
É por isso que a senhora Manuela Ferreira Leite, sendo alguém que "não inventa e não mente" (Fórum TSF, hoje) e que insiste em "dizer a verdade aos portugueses" (onde é que eu já ouvi isto!), é encarada, por muitos, como a resposta à crise que tem atravessado, nos últimos anos, o país e, em particular, a oposição.
Qual é, então, a "verdade" que esta senhora, rigorosa e "com mão de ferro", tem a dar aos portugueses? Ou, dizendo de outra maneira: uma vez que "a verdade tem estrutura de ficção" (Lacan), qual é a ficção que se oculta sob o manto diáfano da tão proclamada verdade?
É simples: a retórica da verdade, a que esta senhora se agarra, e a que se agarram todos aqueles que votaram recentemente nela, tem a sustentá-la a "ficção" do capitalismo. Há que dizer aos portugueses que, segundo a "verdade" do capitalismo mais neo-liberal, não lhes resta senão continuar a apertar o cinto, num auto-sacrifício heróico e abnegado. Tudo para bem do país, quer dizer, para bem da "verdade"...
Acontece, como dizia alguém um dia destes (num dos fóruns TSF), que os portugueses sabem que não lhes resta mais nada onde apertar o cinto, "a não ser no pescoço". Por isso, estão cansados da velha e respeitada senhora que é a verdade" e talvez haja surpresas nas próximas legislativas.
Fartos de verdades que se revelam mentiras, não seria mais criativo, original e verdadeiramente inovador alguém que ousasse inventar uma mentira capaz de se tornar verdade? Uma "verdade inventada", como diria Clarice Lispector?
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2 comentários:
A velha senhora (re)visita-nos. Para nos reiterar, decerto, que é preciso "menos estado", que se deve deixar funcionar o sacrossanto Mercado, e outras sandices neo-liberais do mesmo quilate. Mais do mesmo que nos trouxe onde estamos hoje:na m.... .
O teu título remeteu-me para a tragicomédia que vi em tempos, protagonizada por Mariana Rey Monteiro, em que no final da visita a velha senhora vociferava: "o mundo fez de mim uma prostituta, farei do mundo um bordel!" Arrepiei-me, então como agora...
Eu não diria melhor!...
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