21.6.08
La vie en close
Em Curitiba, descobri um poeta, Paulo Leminski, que definia assim o amor:
"Amar é um elo
entre o azul
e o amarelo"
Dizia Lacan, algures, que o amor é poesia.
A poesia é um dom da palavra.
Os animais copulam mas não amam. Não têm o dom da palavra. Não são poetas. Não sofrem de amor. Não fazem elo entre o azul e o amarelo.
Serão mais felizes?
17.6.08
Des (acordos) ortográficos
A Orto-grafia é a parte da gramática que ensina a escrever correctamente as palavras de uma língua.
Quem escrevia mais correctamente: Fernando Pessoa, que escrevia "de facto", ou Drumond de Andrade, que "de fato" escrevia?
Ou será o inverso: Fernando pessoa escrevendo de fato e Drummond de facto escrevendo ?
Eu, que amo a poesia de ambos, sei que os dois tinham a arte e a ciência de bem escrever em língua portuguesa. Ambos amavam a língua como a si mesmos ou até mais do que a si mesmos.
Pouco importa se com ou sem acordo!
16.6.08
Caçadores de papagaios
Pelo segundo ano consecutivo, desloquei-me a Curitiba, a capital do Paraná (Brasil), a pretexto das V Jornadas de Direito e Psicanálise, promovidas pelo Núcleo de Direito e Psicanálise da Universidade Federal do Paraná.
Cada uma das jornadas anteriores teve como "objecto-pretexto" uma obra de um grande autor da literatura universal (por exemplo, "O Processo", de Kafka ou "O Mercador de Veneza", de Shakespeare). Este ano, o cenário mudou, tendo sido escolhido o livro de um autor "menor", ainda que constitua um verdadeiro sucesso de vendas a nível mundial. Evidentemente, o sucesso comercial não garante a profundidade ou a qualidade intrínseca de uma obra; caso contrário, o Segredo" (The Secret) seria garantidamente uma das maiores obras de sempre. Mesmo se a espécie humana gosta de alimentar e correr atrás de segredos - não só os de Fátima! - é claro que uma tal conclusão seria ilegítima.
Porém, como ensinou Duchamp, até certo ponto o "objecto", qualquer que ele seja, acaba por ser indiferente. Muita coisa interessante tem sido dita (e escrita) sobre o fenómeno que constitui o Segredo, por exemplo; da mesma forma, o autor e a obra, aparentemente menores, deste ano não impediram que se tivesse assistido, em Curitiba, a um trabalho de excelente qualidade, em nada inferior àquele em que tive o prazer de colaborar no último ano.
O título original do romance, The Kite Runner, foi vertido diferentemente para o português falado no Brasil e em Portugal: enquanto os brasileiros o traduziram por Caçador de Pipas (o que não deixou de provocar-me o riso, pois imaginava alguém caçando "pipas" de vinho), os portugueses, menos fiéis à letra (quem sabe se devido ao "espírito" do vinho!) optaram por um título inócuo: "O Menino de Cabul". Na realidade, ambos estão certos, na medida em nenhum está certo: quer sejam "pipas" (como dizem os brasileiros) ou "papagaios de papel" (como dizemos nós) são apenas "modos de dizer" a coisa, sem nome, de que se trata.
Numa altura em que se tenta fazer mais um acordo ortográfico, é bom saber que o desacordo não é apenas (orto)gráfico, mas também sintáctico, semântico e pragmático. A língua é um animal vivo que não se mata por decreto. De um modo ou de outro, nas suas imensas veredas, labirintos ou linhas de fuga, todos os que falam a "língua portuguesa" vão continuar a divergir, trilhando novas sonoridades e novos caminhos. Isto enquanto uma outra língua qualquer (o inglês?) não matar todas as outras. Só "o amor da língua" (Milner) poderá salvá-la do aniquilamento. Quer seja no português de aquém ou de além mar, amemos, por isso, a língua, como a nós mesmos. Não falar (ou não ser falado) é deixar de existir.
Cada uma das jornadas anteriores teve como "objecto-pretexto" uma obra de um grande autor da literatura universal (por exemplo, "O Processo", de Kafka ou "O Mercador de Veneza", de Shakespeare). Este ano, o cenário mudou, tendo sido escolhido o livro de um autor "menor", ainda que constitua um verdadeiro sucesso de vendas a nível mundial. Evidentemente, o sucesso comercial não garante a profundidade ou a qualidade intrínseca de uma obra; caso contrário, o Segredo" (The Secret) seria garantidamente uma das maiores obras de sempre. Mesmo se a espécie humana gosta de alimentar e correr atrás de segredos - não só os de Fátima! - é claro que uma tal conclusão seria ilegítima.
Porém, como ensinou Duchamp, até certo ponto o "objecto", qualquer que ele seja, acaba por ser indiferente. Muita coisa interessante tem sido dita (e escrita) sobre o fenómeno que constitui o Segredo, por exemplo; da mesma forma, o autor e a obra, aparentemente menores, deste ano não impediram que se tivesse assistido, em Curitiba, a um trabalho de excelente qualidade, em nada inferior àquele em que tive o prazer de colaborar no último ano.
O título original do romance, The Kite Runner, foi vertido diferentemente para o português falado no Brasil e em Portugal: enquanto os brasileiros o traduziram por Caçador de Pipas (o que não deixou de provocar-me o riso, pois imaginava alguém caçando "pipas" de vinho), os portugueses, menos fiéis à letra (quem sabe se devido ao "espírito" do vinho!) optaram por um título inócuo: "O Menino de Cabul". Na realidade, ambos estão certos, na medida em nenhum está certo: quer sejam "pipas" (como dizem os brasileiros) ou "papagaios de papel" (como dizemos nós) são apenas "modos de dizer" a coisa, sem nome, de que se trata.
Numa altura em que se tenta fazer mais um acordo ortográfico, é bom saber que o desacordo não é apenas (orto)gráfico, mas também sintáctico, semântico e pragmático. A língua é um animal vivo que não se mata por decreto. De um modo ou de outro, nas suas imensas veredas, labirintos ou linhas de fuga, todos os que falam a "língua portuguesa" vão continuar a divergir, trilhando novas sonoridades e novos caminhos. Isto enquanto uma outra língua qualquer (o inglês?) não matar todas as outras. Só "o amor da língua" (Milner) poderá salvá-la do aniquilamento. Quer seja no português de aquém ou de além mar, amemos, por isso, a língua, como a nós mesmos. Não falar (ou não ser falado) é deixar de existir.
2.6.08
Uma velha e respeitada senhora
Com a recente eleição de Manuela Ferreira Leite para comandar os destinos do maior partido da oposição, volta de novo à ribalta a relação entre "verdade e política", segundo um conhecido texto de Hannah Arendt. Nesse texto, a autora pergunta-se, a certa altura, se a mentira não fará parte intrínseca dos políticos.
Os políticos contornam geralmente esta realidade, fingindo ou fazendo de conta que dizem a verdade. Sabemos todos, por experiência recente, o que isso significa. Mais cedo ou mais tarde, a verdade, como se diz, vem ao de cima.
É por isso que a senhora Manuela Ferreira Leite, sendo alguém que "não inventa e não mente" (Fórum TSF, hoje) e que insiste em "dizer a verdade aos portugueses" (onde é que eu já ouvi isto!), é encarada, por muitos, como a resposta à crise que tem atravessado, nos últimos anos, o país e, em particular, a oposição.
Qual é, então, a "verdade" que esta senhora, rigorosa e "com mão de ferro", tem a dar aos portugueses? Ou, dizendo de outra maneira: uma vez que "a verdade tem estrutura de ficção" (Lacan), qual é a ficção que se oculta sob o manto diáfano da tão proclamada verdade?
É simples: a retórica da verdade, a que esta senhora se agarra, e a que se agarram todos aqueles que votaram recentemente nela, tem a sustentá-la a "ficção" do capitalismo. Há que dizer aos portugueses que, segundo a "verdade" do capitalismo mais neo-liberal, não lhes resta senão continuar a apertar o cinto, num auto-sacrifício heróico e abnegado. Tudo para bem do país, quer dizer, para bem da "verdade"...
Acontece, como dizia alguém um dia destes (num dos fóruns TSF), que os portugueses sabem que não lhes resta mais nada onde apertar o cinto, "a não ser no pescoço". Por isso, estão cansados da velha e respeitada senhora que é a verdade" e talvez haja surpresas nas próximas legislativas.
Fartos de verdades que se revelam mentiras, não seria mais criativo, original e verdadeiramente inovador alguém que ousasse inventar uma mentira capaz de se tornar verdade? Uma "verdade inventada", como diria Clarice Lispector?
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