15.2.07

A democracia como "fetiche"

"A democracia é hoje o fetiche político principal" (Zizek, Bem-Vindo ao Deserto do Real, p. 104).

Na verdade, quem ousa abertamente pô-la em causa, denunciar-lhe os limites ou as fragilidades?

Porém, ao mesmo tempo que o cidadão é chamado a participar democraticamente na vida da cidade (como foi, por exemplo, o referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez) o número daqueles que decidem não responder à chamada dá que pensar.

Dizer que é por simples comodismo (ainda que este seja também um factor a considerar), é talvez demasiado redutor.

Acontece que a democracia (que dá supostamente o poder de decisão ao povo) cresceu e expandiu-se ao mesmo tempo que um outro poder: o do capital. Hoje, quem governa não são os políticos, mas o capital, acéfalo e apátrida, eternamente deslocalizado. Os políticos são meros "funcionários" deste senhor todo poderoso.

A "democracia" tornou-se a sombra do "discurso do capitalista": ao mesmo tempo que se apagam todas as diferenças à luz da globalização, prega-se o evangelho da diferença democrática.

O que faz aqui sintoma é que há cada vez mais pessoas a descrer, ou a não acreditar, no poder da sua escolha, sabendo que é indiferente optar por A ou por B, quando ganha sempre C - o capital.

Visto que os políticos, sagazes, também sabem disso, aprendem a mentir descaradamente. A política tornou-se cada vez mais num exercício de cinismo.

O pior é que ainda não se inventou nada de (muito) melhor desde os gregos...

4 comentários:

Teresa Durães disse...

tenho pena de não me lembrar do nome do filme. qualquer coisa como "aprender para a vida" ou algo do género. diz: desde dos gregos o que evoluímos? (para além da tecnologia). Nada.

A democracia é um sistema falido porque não existe, conforme o diz.

Igor Lobão disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Igor Lobão disse...

Como o Filipe sabe, Freud alertou-nos de 3 impossíveis. Dois desses impossíveis são o de governar e o de educar (isto também como alusão ao seu post anterior sobre as dificuldades que o ensino filosofia enfrenta).

Talvez o capitalismo procure ultrapassar esse impossível começando por ultrapassar a democracia naquilo que ela tem de sintomático.

A pergunta que se poderá fazer, e se será isso que queremos?, um sistema perfeito e sem sintomas.

Deste ponto de vista, não sei se o problema será tanto da democracia, mas o que permitimos ao capitalismo fazer do que nela reside de impossível e sintomático.

A propósito, li a sua tese e gostei muito. Os meus parabens. Só me ficou uma pergunta sobre um pequeno detalhe, depois de ter trabalhado a questão do "não compreender" em Lacan, o facto de não se ter referido ao "tempo de compreender".

Aproveito para lhe indicar que os blogs "a psicanálise no divã" e a "Estrada Perdida" foram "reciclados" na´s Páginas do Inconsciente (http://www.paginconsciente.blogspot.com/), para o qual o convido a ir visitar.

Igor

Filipe Pereirinha disse...

Ao Igor:

Lacan falava, com efeito, de três tempos: "o instante de ver", "o tempo para compreender" e "o momento de concluir"; o que acontece é que chega, por vezes, um momento em que temos de concluir - mesmo sem termos compreendido ou falado de tudo, pois é impossível - para dar lugar a "outra coisa". Foi o caso da tese. Precisava de a concluir.
Obrigado pela indicação dos blogues "reciclados".
F.P.