11.3.05
Má temática do amor
A. Blomberg, Exposição das Artes industriais no Parque Frisens, Stockholm, 1909
Recentemente, o título de capa de uma revista (Focus, nº 282 de 9 a 15 de Março) chamou-me a atenção: matemática do amor. Comprei a revista, pois o título prometia.
Lá dentro, no meio de um chorrilho de banalidades, faz-se alusão a uma professora de matemática inglesa, Clio Cresswell, que acredita, segundo a tese defendida no seu livro Matemática e Sexo que é possível traduzir o amor em fórmulas contas e equações. Se alguém pretendesse argumentar que isto é coisa de mulheres, repare-se na grande bojarda de Sergio Rinaldi, um outro matemático, homem: quanto mais atraente uma pessoa for, maior é a possibilidade de ser amado. Eva Mendes, a nova bomba sexy de Hollywood, não teria dito melhor. É caso para dizer: ser matemático não livra ninguém da imbecilidade.
A ciência moderna nasceu de uma des-sexualização mundo: em vez de procurar casar a forma e a matéria (Aristóteles) ou o micro e o macrocosmos, Galileu propôs que a natureza não era um sistema de correspondências ou afinidades sexuais, mas antes um livro escrito em caracteres matemáticos. Daí em diante, Eros & companhia ficaram por conta do génio poético, enquanto, do outro lado, crescia o rigor frio, por vezes gélido, da ciência.
O que é novo nesta história é a tentativa (a crença?) de que é possível casar ciência e poesia, matemática e amor. Não deixa de ser aliciante uma tal hipótese: chegar a escrever o "matema" do amor, sem, ao mesmo tempo, lhe destruir a poesia (o mitema).
Por mais aliciante que seja uma tal hipótese, ela é, no fundo, apenas um sinal dos tempos que correm e do paradigma que o domina: nenhum recanto da vida pode escapar ao império da ciência, nem mesmo o amor.
Com isso, porém, a ciência tende inevitavelmente a ultrapassar os seus limites e a escorregar facilmente para o "cientismo" (que já não é a ciência, mas filosofia: má filosofia), caindo no domínio da ilusão e da impostura.
Mas, ao mesmo tempo, ela revela - porque não! - um desejo secreto, inconfessado que porventura (ainda) a habita: conseguir escrever a fórmula (o matema) da proporção sexual: a tal que Lacan dizia não cessar de não se escrever.
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