15.12.11

O fim dos tempos

Estaremos a viver o fim do capitalismo tal como o conhecemos?

Para o conhecido e polémico filósofo esloveno Slavoj Zizek, o capitalismo global está a chegar à sua agonia final. Segundo ele, são quatro os cavaleiros do apocalipse: a crise ecológica mundial, os desequilíbrios do sistema económico, a revolução biogenética e e as divisões sociais explosivas.

Tudo isto é desenvolvido pelo autor no livro:  "Viver no Fim dos Tempos" (traduzido pela Relógio de Água).


 A ver vamos...

A ler!

12.12.11

Não temos Papa

O último filme de Nanni Moretti, Habemus Papam, embora com altos e baixos, é um filme que toca, a brincar, em questões muito sérias. No momento em que o Cardeal escolhido para ser o novo papa (Michel Piccoli) se dirige à Varanda da Praça de São Pedro para saudar a multidão de fiéis que o aguarda, sofre um ataque de pânico, dá um grito estridente e desata a correr para o interior, deixando toda a gente perplexa.

Quem poderá ajudar o papa a assumir a função para que foi eleito quando este se deixa ir literalmente abaixo?

Supõe-se que o "melhor" para tratar do assunto seja um psicanalista (Nanni Moretti). Na verdade, esta suposição é ambígua, não só porque não lhe é permitido abordar nenhum dos temas (tabu) que definem tradicionalmente a psicanálise, como lhe é reservado um lugar de mero entertainer dos cardeais (organizando jogos de voleibol entre eles) enquanto os conselheiros mais chegados do papa, incapazes de o convencer a ocupar o cargo para que fora eleito, decidem consultar uma outra psicanalista (a mulher do "melhor", a segunda melhor) que acaba por tentar convencê-lo de que ele sofre de um "défice parental".


Perante esta segunda psicanalista, o (novo) papa - provando  dizer a verdade, mesmo quando mente -  apresenta-se como ator. Pessoalmente, creio que é a metáfora teatral que permite "ler" melhor este filme de Moretti: é o fio condutor que liga, a partir daí, os acontecimentos. Percebemos, pelas suas próprias palavras, que aquele que agora vacila perante o cargo para o qual foi eleito, é o mesmo que outrora tinha sido preterido como actor. Mas por que vacila ele: será em nome do "velho teatro" (no qual não conseguiu entrar) ou do novo (para o qual é escolhido como ator principal)? Ou porque sabe, lá no fundo, que, embora sendo da ordem teatral, a velha função papal (o mesmo é dizer paterna) tinha implicações para além do teatro, em particular para todo o mundo católico?

O que devemos ler, em resumo, naquilo que o filme nos dá a ver: que no fim de contas ninguém está à altura da "função" simbólica para que é nomeado (sendo esta essencialmente "vazia", como mostra a cena final do filme) ou que, mais do que isso, a própria "função" se tornou em si mesma problemática na nova ordem simbólica em que vivemos hoje?

2.12.11

A pele onde eu vivo

 Quando, na cena final, uma bela mulher diz para a mãe: "Eu sou Vicente!", há muitos espetadores que riem. Este riso é uma espécie de defesa, um último degrau no limiar do indizível, do inominável.

"Eu sou..." coloca-nos no coração da pergunta e, ao mesmo tempo, da resposta que nos dá o último filme de Pedro Almodóvar, A Pele onde eu vivo (La piel que habito). Afinal de contas, o que "sou eu" na era da cirurgia plástica, da ciência e da tecnologia? Será a pele que nos define, que nos "identifica"?

É fácil, mas simplista, responder imediatamente que não. O interessante no filme de Almodóvar (de uma contenção e frieza cirúrgica pouco habituais) é que ele esquiva a resposta fácil. Quando a mulher do cirurgião plástico Robert Ledgard - que ele salva in extremis de morrer num terrível acidente de viação que lhe causa fortes queimaduras e lhe desfigura o rosto - se vê finalmente ao espelho, não suporta o que vê e passa ao ato, atirando-se da janela. Eis a razão (umas das razões) que leva Robert a ficar cada vez mais doentiamente obcecado com a criação de uma "pele" que seja imune a todos os malefícios do real.

Vicente, um jovem suspeito de ter violado a sua filha, é  escolhido por Robert para testar finalmente a nova pele (vestir contra a vontade uma pele que não é a sua): é encarcerado, submetido a uma cirurgia que lhe altera o sexo, sujeito às mais diversas transformações e vicissitudes. Robert pretende demonstrar, em ato - como diz, a certa altura, numa palestra à comunidade médica - que a nossa identidade é a pele. Como se fosse possível objetivar inteiramente o que somos...

Há um  momento em que Vera - outrora Vicente - parece estar a aceitar a sua nova "pele". Como se tivesse deixado de resistir. Mas eis que depara com uma foto de Vicente (quem é aquele?) e fica, de novo,perturbada, de tal forma que pega numa arma, mata Robert e volta para casa da mãe (que nunca deixara de o procurar), dizendo, perante a incredulidade daquela: "Eu sou Vicente!"

Que importa se este não é um "grande" filme (como dizem muitos críticos), mas dá que pensar com o máximo rigor? Liberto do "espalhafatoso" de muitos filmes anteriores, este é um filme não só para ver, mas também para ler ao pé da letra.

A "ordem simbólica", no século XXI, já não é o que era, o que tem consequências desde logo na "pele". É o que mostra, à sua maneira, o último filme de Almodóvar.