Poderão estas medidas agora tomadas - como último recurso, diz o primeiro ministro - acalmar os mercados? É a pergunta do momento.
O mercado tornou-se numa espécie de monstro caprichoso que nada consegue acalmar.
Antigamente, era hábito fazer sacrifícios para saciar ou acalmar a fome ou a ira dos deuses agitados; de quando em vez, umas quantas vidas, por exemplo, tinham de ser imoladas à sua voracidade. Lembremo-nos, por exemplo, do Minotauro (esse monstro grego, por sinal) que exigia, para saciar a fome, um "pacote" de rapazes e raparigas.
Na era do capitalismo, o novo Minotauro é ainda mais exigente, cruel e obsceno: nunca está satisfeito. Pacote atrás de pacote, ele vai exigindo sempre mais ainda, numa voracidade desmedida e insaciável.
Perante isto, o que fazem os políticos da esquerda à direita, por mais que dancem o tango ou refilem uns com os outros: limitam-se a embalar, com mais ou menos agilidade, o pacote! São meros acólitos do monstro, servidores (in)voluntários deste novo deus obscuro.
Tanto mais obscuro quanto anda de cara descaradamente destapada e não esconde, sequer, as suas "reais" intenções.
30.9.10
26.9.10
O segredo dos seus olhos
Qual é afinal o segredo? De quem são os olhos?
Na verdade, o filme de Juan José Campanella - vencedor do Óscar para melhor filme estrangeiro em 2010 - não revela nem uma coisa nem outra. Vai abrindo portas - pode ser isto ou aquilo, deste ou daquele - mas no fim a porta é fechada e o filme termina; talvez porque os olhos - e o segredo que os (en)cerra, que eles (en)cerram - sejam também os nossos, de cada um de nós, que vê este filme.
É um filme magnífico com um enredo aparentemente banal: Benjamin Esposito (Ricardo Darín), reformado da polícia, não sabendo como encher o vazio dos dias e vivendo atormentado pelas circunstâncias de um crime passional ocorrido há vinte e cinco anos atrás, que ele próprio investigara na altura - e, até certo ponto, resolvera - decide escrever um romance para acertar as contas com o passado, incluindo o seu. Também ele tinha um caso por resolver com a sua superiora hierárquica (Irene Menéndes Hastings), a quem - por "temor" - jamais confessara o seu amor. Temia dizer-lhe que a amava.
Porém, as várias tentativas de resgatar a história parecem falhar. Vários começos de romance - fazendo lembrar os começos de romance do livro de Italo Calvino Se numa noite de Inverno um viajante - vão parar ao lixo. Benjamin Esposito não está satisfeito com o resultado. Há algo que falta, que teima em faltar.
Pelo meio, há uma palavra que lhe ocorre - palavra sunâmbula, por assim dizer, no limbo entre o sono e a vigília - e cujo sentido permanece em suspenso até ao fim: Temo. Há igualmente um detalhe engraçado: uma velha Olivetti que não consegue escrever a letra a.
São pormenores, sem dúvida. Detalhes. Mas talvez a grandeza deste filme resida, precisamente, nos pequenos detalhes. Como os piropos, a veia humorística de Sandoval - o colega e amigo de Esposito.
O que obceca, afinal, Esposito? Qual a verdade que ele pretende restituir, o segredo que busca desvendar por meio da escrita?
Na verdade, há vinte e cinco anos atrás, com a ajuda inestimável do seu amigo Sandoval, ele acabara por descobrir - e fazer prender - o assassino da bela jovem assassinada; porém, há algo que continua a atormentá-lo (até porque o assassino fora entretanto liberto e vivia sob protecção do regime). Mas não era apenas isso: havia algo, por assim dizer, ainda mais tocante - o amor, a paixão inabalável que ligara para sempre o marido à sua jovem esposa assassinada.
Mas não é tanto a sombra da melancolia que sobrevive ao luto impossível - como diria Freud - mas o sol da vingança que ilumina o seu acto. Quando, numa das últimas cenas do filme, Esposito faz uma visita ao marido da jovem assassinada, descobre, espantado, que ele mantinha em cativeiro o assassino da sua esposa. Mais do que matá-lo de uma vez por todas, ele queria mantê-lo em "prisão perpétua". Para fazê-lo pagar para sempre - e em silêncio - o castigo do crime hediondo que cometera. Ele sabe que o Inferno não é uma morte rápida, mas um sofrimento lento e perpétuo.
À ignorância (obsessiva) de Esposito - na sua busca atormentada pela verdade - responde o amor (também obsessivo) do eterno marido da vítima e, sob aquele, o ódio, a terrível paixão da vingança.
Razão tinha Sandoval, o amigo de Esposito, quando justificava o seu próprio comportamento (alcoólico) e o comportamento da maior parte dos homens com o termo: paixão (pasión). A paixão do álcool, do amor, do ódio. Ou "gozo": aquilo que move cada um (o violador, o polícia, o escritor, o marido, o vingador...o espectador?) e que faz, para cada um deles, que o universo não seja vão. Ou, pelo menos, aparente não o ser.
Numa das últimas cenas, vemos Esposito escrevendo uma letra, como se tivesse de repente descoberto que a letra que a velha Olivetti não conseguia escrever era, precisamente, a única letra que faltava para dar sentido à estranha palavra "temo" que um dia (uma noite) lhe ocorrera: TEaMO, vemo-lo então escrever; a palavra que nunca ousara dizer à sua colega e superiora Irène Menéndez Hastings.
Uma letra apenas. Uma vida.
Na verdade, o filme de Juan José Campanella - vencedor do Óscar para melhor filme estrangeiro em 2010 - não revela nem uma coisa nem outra. Vai abrindo portas - pode ser isto ou aquilo, deste ou daquele - mas no fim a porta é fechada e o filme termina; talvez porque os olhos - e o segredo que os (en)cerra, que eles (en)cerram - sejam também os nossos, de cada um de nós, que vê este filme.
É um filme magnífico com um enredo aparentemente banal: Benjamin Esposito (Ricardo Darín), reformado da polícia, não sabendo como encher o vazio dos dias e vivendo atormentado pelas circunstâncias de um crime passional ocorrido há vinte e cinco anos atrás, que ele próprio investigara na altura - e, até certo ponto, resolvera - decide escrever um romance para acertar as contas com o passado, incluindo o seu. Também ele tinha um caso por resolver com a sua superiora hierárquica (Irene Menéndes Hastings), a quem - por "temor" - jamais confessara o seu amor. Temia dizer-lhe que a amava.
Porém, as várias tentativas de resgatar a história parecem falhar. Vários começos de romance - fazendo lembrar os começos de romance do livro de Italo Calvino Se numa noite de Inverno um viajante - vão parar ao lixo. Benjamin Esposito não está satisfeito com o resultado. Há algo que falta, que teima em faltar.
Pelo meio, há uma palavra que lhe ocorre - palavra sunâmbula, por assim dizer, no limbo entre o sono e a vigília - e cujo sentido permanece em suspenso até ao fim: Temo. Há igualmente um detalhe engraçado: uma velha Olivetti que não consegue escrever a letra a.
São pormenores, sem dúvida. Detalhes. Mas talvez a grandeza deste filme resida, precisamente, nos pequenos detalhes. Como os piropos, a veia humorística de Sandoval - o colega e amigo de Esposito.
O que obceca, afinal, Esposito? Qual a verdade que ele pretende restituir, o segredo que busca desvendar por meio da escrita?
Na verdade, há vinte e cinco anos atrás, com a ajuda inestimável do seu amigo Sandoval, ele acabara por descobrir - e fazer prender - o assassino da bela jovem assassinada; porém, há algo que continua a atormentá-lo (até porque o assassino fora entretanto liberto e vivia sob protecção do regime). Mas não era apenas isso: havia algo, por assim dizer, ainda mais tocante - o amor, a paixão inabalável que ligara para sempre o marido à sua jovem esposa assassinada.
Mas não é tanto a sombra da melancolia que sobrevive ao luto impossível - como diria Freud - mas o sol da vingança que ilumina o seu acto. Quando, numa das últimas cenas do filme, Esposito faz uma visita ao marido da jovem assassinada, descobre, espantado, que ele mantinha em cativeiro o assassino da sua esposa. Mais do que matá-lo de uma vez por todas, ele queria mantê-lo em "prisão perpétua". Para fazê-lo pagar para sempre - e em silêncio - o castigo do crime hediondo que cometera. Ele sabe que o Inferno não é uma morte rápida, mas um sofrimento lento e perpétuo.
À ignorância (obsessiva) de Esposito - na sua busca atormentada pela verdade - responde o amor (também obsessivo) do eterno marido da vítima e, sob aquele, o ódio, a terrível paixão da vingança.
Razão tinha Sandoval, o amigo de Esposito, quando justificava o seu próprio comportamento (alcoólico) e o comportamento da maior parte dos homens com o termo: paixão (pasión). A paixão do álcool, do amor, do ódio. Ou "gozo": aquilo que move cada um (o violador, o polícia, o escritor, o marido, o vingador...o espectador?) e que faz, para cada um deles, que o universo não seja vão. Ou, pelo menos, aparente não o ser.
Numa das últimas cenas, vemos Esposito escrevendo uma letra, como se tivesse de repente descoberto que a letra que a velha Olivetti não conseguia escrever era, precisamente, a única letra que faltava para dar sentido à estranha palavra "temo" que um dia (uma noite) lhe ocorrera: TEaMO, vemo-lo então escrever; a palavra que nunca ousara dizer à sua colega e superiora Irène Menéndez Hastings.
Uma letra apenas. Uma vida.
15.9.10
Para bom atendedor...
Mudam-se os tempos, mudam-se as palavras.
Como a substituição de "justa causa" por "razão atendível" não foi bem "entendida" - diz o PSD - foi preciso deslizar um pouco mais na semântica e na pragmática (sobretudo nesta) para chegar à bela e sonante: "razão legalmente atendível".
Não voltamos, com isto, ao ponto de partida, no fim de um longo desvio?
Não, diz o PSD. E tem razão, pois não é certo, afinal, que a "razão legal(mente) atendível" nem sempre é uma "causa justa"?
Para bom entendedor...
Como a substituição de "justa causa" por "razão atendível" não foi bem "entendida" - diz o PSD - foi preciso deslizar um pouco mais na semântica e na pragmática (sobretudo nesta) para chegar à bela e sonante: "razão legalmente atendível".
Não voltamos, com isto, ao ponto de partida, no fim de um longo desvio?
Não, diz o PSD. E tem razão, pois não é certo, afinal, que a "razão legal(mente) atendível" nem sempre é uma "causa justa"?
Para bom entendedor...
13.9.10
A injusta causa
Como chamar a um projecto de revisão constitucional que prevê o "despedimento sem justa causa", tal como propõe este novo PSD, liderado pelo jovem, mas já maratonista da política, Passos Coelho?
É certo, como se diz, que vivemos num "mundo líquido"...
Mas não estará o PSD, como este projecto, a confundir "enliquidescer" com "enlouquecer"?
Um mau começo para quem ainda nem sequer começou. Um mau passo.
Um descomeço!
É certo, como se diz, que vivemos num "mundo líquido"...
Mas não estará o PSD, como este projecto, a confundir "enliquidescer" com "enlouquecer"?
Um mau começo para quem ainda nem sequer começou. Um mau passo.
Um descomeço!
6.9.10
Bulimia informativa
Ao mesmo parecem chover sobre nós, sem descanso e repetidamente, como gorda saraivada, mil informações diversas.
É assim o mundo globalizado, a era da informação: morreram tantos aqui; incendiou-se um barco além, uma floresta algures; explodiu outro homem-bomba nos lugares do costume; foram pelos ares não sei quantos para lá do sol posto devido a não sei quê; uma bala perdida encontrou o seu destino em alguém - curioso - que andava sem destino, a passear; enfim...
E tudo isto em catadupa - e cada vez mais a toda a hora - sem termos tempo para respirar!
Um homem não é capaz de mastigar, de absorver tanta e diversa informação ao mesmo tempo: ou a vomita ou a caga. De qualquer modo, expele-a: por enjoo ou indiferença.
É assim o mundo globalizado, a era da informação: morreram tantos aqui; incendiou-se um barco além, uma floresta algures; explodiu outro homem-bomba nos lugares do costume; foram pelos ares não sei quantos para lá do sol posto devido a não sei quê; uma bala perdida encontrou o seu destino em alguém - curioso - que andava sem destino, a passear; enfim...
E tudo isto em catadupa - e cada vez mais a toda a hora - sem termos tempo para respirar!
Um homem não é capaz de mastigar, de absorver tanta e diversa informação ao mesmo tempo: ou a vomita ou a caga. De qualquer modo, expele-a: por enjoo ou indiferença.
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