A psicanálise sempre foi objecto, praticamente desde o seu início, de uma série de críticas e objecções; hoje, porém, estas assumem um carácter massivo e que sobe de tom a cada dia que passa.
Porquê atacar Freud e a psicanálise com tal virulência?
Haverá com certeza inúmeras e bem fundadas razões para que tal aconteça: umas de natureza epistemológica (invocando que ela não é ciência), outras religiosa (visto que contribuiu, com a sua quota-parte, para a dessacralização do mundo e da sexualidade), outras, enfim, de natureza "terapêutica" (apelando aos erros ou à ineficácia do seu método).
Eu acrescentaria a estas razões (cada uma delas com a sua parcela de verdade) uma outra, digamos, de natureza ao mesmo tempo social e subjectiva: numa era de desculpabilização generalizada, a psicanálise é tida, por muitos, como um dos últimos redutos da culpa, da culpabilidade, da culpabilização, da responsabilização dos sujeito por aquilo que de mal lhe acontece.
É por isso, talvez, que algumas terapias (cognitivas e comportamentais, por exemplo) e algumas ciências (genética, neuro-biologia...), aliviando o sujeito do peso da subjectividade em prol dos comportamentos, dos genes e dos neurónios, parecem tão ao gosto do tempo. Perante a angústia do real, a deslocalização da culpa para a máquina biológica, por exemplo, tranquiliza provisoriamente o indivíduo, aliviando-o do fardo de ter de escolher ou de lidar singularmente com as escolhas (mais ou menos forçadas) da sua existência.
Há algo de libertador - um certo ganho, por que não dizer? - em semelhante postura. Tal como acontece num outro domínio com grande adesão nos tempos que correm, o sujeito sente-se por assim dizer mais leve, mais zen... Mas a que preço?
Liberto da subjectividade, isto é, da sua maneira singular de fazer face, de haver-se com o real, o indivíduo estará cada vez mais sujeito a respostas formatadas para perguntas pré-definidas. Não será livre de questionar a própria pergunta, a forma e a substância da mesma, mas apenas a adequar-se à questão já formulada. A dar a "boa" resposta; a ser corrigido em caso contrário. Respostas inesperadas, imprevisíveis, ou que não cabem nos parâmetros e itens previamente definidos, serão consideradas erradas ou, simplesmente, a descartar.
Entrámos a todo o vapor na era do questionário e da grelha, pelas quais todos os nossos comportamentos (do público ao privado) serão avaliados de agora em diante. O estreitamente do mundo, da vida, das possibilidades...parece inevitável. Chegará uma altura em que as próprias exigências e reivindicações dos indivíduos (se é que já não chegámos aí) se conformarão voluntariamente a tais grelhas e parâmetros. Como entender, por exemplo, a recente manifestação dos estudantes do ensino secundário exigindo, entre outras coisas, educação sexual nas escolas? Perante a angústia do real sexual, terreno de encontros e desencontros, prazeres e desprazeres, será que eles exigem a boa (e finalmente única ou uniformizada) resposta? A resposta que lhes dirá, finalmente, como fazer amor de modo salutar, seguro, sem risco, tudo muito bem empacotado, para o bem se si próprios e dos outros?
Resta a cada um saber se quer alinhar - ou de que modo quer alinhar, inscrever-se - num tal dispositivo.
Ou talvez nem isso reste, a ser verdade, como se diz por vezes, que o sujeito não é responsável pela sua existência, uma vez que é a máquina biológica que o comanda, que o decide, que faz por ele as suas escolhas vitais e existenciais.
1 comentário:
A última parte do teu post fala que há uma desresponsabilização do sujeito em prole da máquina biológica. Freud assenou com o terceiro golpe na humanidade ao dizer que não mandava, nem controlava na própria casa dando relevância ao inconsciente. O resultado foi um mar de críticas e negação. Pergunto-me como é que a humanidade deixa hoje que outros lhe digam que são marionetas do biológico, neurológico e genético sem piar...
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