Um dos paradoxos, na (nova) era de globalização em que vivemos, é que a atenção dos ocidentais se volta para os "pensamentos do oriente" quando, precisamente, os pensamentos do oriente (e sobretudo dos orientais) estão cada vez mais focalizados, dobrados, convertidos ao "capitalismo" ocidental.
O que leva os ocidentais a aderir de forma tão entusiasta aos pensamentos e práticas do oriente? Na verdade, como entender que o extremo individualismo ocidental, todo ele apegado- cada vez mais - à plena realização de si mesmo, se volte para "práticas" (como o budismo, por exemplo) que assentavam no desapego e esvaziamento do Eu?
Tal como o "ecologista" dos "tempos hipermodernos", que apregoa a defesa da "natureza" sem abandonar os produtos mais requintados da "civilização", também o mais feroz adepto do individualismo ocidental se volta para o oriente sem abandonar as ideologia do consumo e a mitologia da plena, concordante e feliz realização de si mesmo. Trata-se menos de uma "revolução espiritual" que de uma nova figura do hiperconsumo (Lipovestky).
Com efeito, nas antigas sabedorias tratava-se de despojar totalmente o homem, de ultrapassar o Eu confinado à estrita individualidade, libertando-o dos seus vãos apetites. Elas implicavam uma completa mudança de vida, passando por exercícios espirituais repetidos, indiferença ao mundo e uma verdadeira - e muitas vezes dolorosa - performance ascética. Pelo contrário, o que se procura actualmente junto dos "mestres" (ou que se fazem passar por tal) são receitas para maximizar o prazer, a satisfação e o pleno desenvolvimento "físico" e "psicológico" de si mesmo. Trata-se mais de um help self que de uma anulação ou apagamento do self. E todos se deixam embalar neste doce canto de sereia, até mesmo a digníssima igreja católica, apostólica e romana que não tem cessado, nos últimos tempos, de "psicologizar" cada vez mais o seu vocabulário. O "afecto", a "emoção", a "realização de si"...têm vindo a subtituir-se à "fé", à "culpa", ao "pecado"...como nas demais esferas da existência.
Por todos os lados há novos "mestres" e "guias" da "auto-ajuda" (contradição?). Os novos gurus crescem tão rapidamente como as novas tendências da moda ou os novos restaurantes exóticos. A atracção pelos "pensamentos do oriente" é a mesma que se tem por um novo restaurante. Trata-se sempre de "consumir" alguma coisa, de "experimentar" algo de novo, de "sentir tudo de todas as maneiras". Desapegadamente, de preferência.
O que diria de tudo isto, por exemplo, um "verdadeiro" mestre zen? Talvez risse apenas, com sarcasmo. Ou interrompesse o silêncio com um pontapé. Ou atirasse tudo contra o muro!
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