4.4.08

A fórmula do sucesso



Df= (M+P)/N
A onda "positivista" que varre o mundo, do "homem sem qualidades" (Musil), quantitativa e quantificável, tem em Portugal os seus representantes. Uma boa introdução é o livro do sr. Secretário de Estado da Educação, Valter Lemos, intitulado "O Critério do Sucesso", dissecado por Maria Filomena Mónica, num texto de que apresento, a seguir, alguns extractos, sem outro comentário:

"(...)
"Chegada aqui, deparei-me com uma problema: como saber o que pensa do mundo este senhor? Depois de buscas por caves e esconsos, descobri um livro seu, O Critério do Sucesso: Técnicas de Avaliação da Aprendizagem. Publicado em 1986, teve seis edições, o que pressupõe ter sido o mesmo aconselhado como leitura em vários cursos de Ciências da Educação. Logo na primeira página, notei que S. Excia era um lírico. Eis a epígrafe escolhida: "Quem mais conhece melhor ama." Afirmava seguidamente que, após a sua experiência como formador de professores, descobrira que estes não davam a devida importância ao rigor na "medição" da aprendizagem. Daí que tivesse decidido determinar a forma correcta como o docente deveria julgar os estudantes. Qualquer regra de bom senso é abandonada, a fim de dar lugar a normas pseudocientíficas, expressas num quadrado encimado por termos como "skill cognitivos". Navegando na maré pedagógica que tem avassalado as escolas, apresenta depois várias "grelhas de análise". Entre outras coisas, o docente teria de analisar se o aluno "interrompe o professor", se "não cumpre as tarefas em grupo" e se "ajuda os colegas". Apenas para dar um gostinho da sua linguagem, eis o que diz no subcapítulo "Diferencialidade": "Após a aplicação do teste e da sua correcção deverá, sempre que possível, ser realizado um trabalho que designamos por análise de itens e que consiste em determinar o índice de discriminação, [sic para a vírgula] e o grau de dificuldade, bem como a análise dos erros e omissões dos alunos. Trata-se portanto, [sic de novo] de determinar as características de diferencialidade do teste." Na página seguinte, dá-nos a fórmula para o cálculo do tal "índice de dificuldade e o de discriminação de cada item". É ela a seguinte: Df= (M+P)/N em que Df significa grau de dificuldade, N o número total de alunos de ambos os grupos, M o número de alunos do grupo melhor que responderam erradamente e P o número de alunos do grupo pior que responderam erradamente. O mais interessante vem no final, quando o actual secretário de Estado lamenta a existência de professores que criticam os programas como sendo grandes demais ou desadequados ao nível etário dos alunos. Na sua opinião, "tais afirmações escondem muitas vezes, [sic mais uma vez] verdades aparentemente óbvias e outras vezes "desculpas de mau pagador", sendo difícil apoiá-las ou contradizê-las por não existir avaliação de programas em Portugal". Para ele, a experiência dos milhares de professores que, por esse país fora, têm de aplicar, com esforço sobre-humano, os programas que o ministério inventa não tem importância. Não contente com a desvalorização do trabalho dos docentes, S. Excia decide bater-lhes: "Em certas escolas, após o fim das actividades lectivas, ouvem-se, por vezes, os professores dizer que lhes foi marcado serviço de estatística. Isto é dito com ar de quem tem, contra a sua vontade, de ir desempenhar mais uma tarefa burocrática que nada lhe diz. Ora, tal trabalho, [sic de novo] não deve ser de modo nenhum somente um trabalho de estatística, mas sim um verdadeiro trabalho de investigação, usando a avaliação institucional e programática do ano findo." O sábio pedagógico-burocrático dixit. O que sobressai deste arrazoado é a convicção de que os professores deveriam ser meros autómatos destinados a aplicar regras. Com responsáveis destes à frente do Ministério da Educação, não admira que, em Portugal, a taxa de insucesso escolar seja a mais elevada da Europa. Valter Lemos reúne o pior de três mundos: o universo dos pedagogos que, provindo das chamadas "ciências exactas", não têm uma ideia do que sejam as humanidades, o mundo totalitário criado pelas Ciências da Educação e a nomenklatura tecnocrática que rodeia o primeiro-ministro." (Maria Filomena Mónica)

5 comentários:

Fernando Borges de Moraes disse...

Que horror!!

Paula C. disse...

Oh, meu caro, vamos lá pôr os pontos nos ii: sei que os "iluminados" das humanidades, que se auto-intitulam de intelectuais apesar de completamente ignorantes em ciências exactas, se acham os detentores do Saber e pedagogos por excelência. Valter Lemos é execrável, nisso concordo, apesar de ser eng. química (para eterna perdição do meu intelecto...?). Mas lembram-se das reformas do ensino secundário de Roberto Carneiro (esse idiota!)? Das tentativas de Marçal Grilo (esse troglodita!)? E a Maria de Lurdes Rodrigues, que pertence à nomenklatura tecnocrática que rodeia o PM é quê? ups!... Socióloga e antiga aluna de MFM. Ganda Lata, diriam os meus alunos.

Filipe Pereirinha disse...

Mais do que "pessoalizar" a questão, poderíamos estabelecer aqui uma diferença entre a ciência e o "discurso da ciência" ou, mais exacatamente, entre a ciência e a sua "retórica" ou "ideologia".

Paula C. disse...

O Filipe acha honestamente que ao afirmar-se "Valter Lemos reúne o pior de três mundos: o universo dos pedagogos que, provindo das chamadas "ciências exactas", não têm uma ideia do que sejam as humanidades, [...]e a nomenklatura tecnocrática que rodeia o primeiro-ministro." se pretende estabelecer uma diferença entre a ciência e o discurso da ciência? Não querendo "pessoalizar"...

Filipe Pereirinha disse...

Parece-me que a sua pergunta já contém a resposta.