18.3.08

Aquiles e a tartaruga

Segundo o velho pensador Zenão de Eleia, num dos seus famosos paradoxos, o mais rápido corredor da Grécia, Aquiles, jamais poderia alçançar um animal tão lento como a tartaruga.

O seu argumento para tão inverosímil conclusão era o seguinte: Aquiles nunca poderia alçançar a tartaruga, porque na altura em que atingisse o ponto de onde a tartaruga partira, ela ter-se-ia deslocado para outro ponto; na altura em que alçançasse esse segundo ponto, ela ter-se-ia deslocado de novo; e assim sucessivamente ad infinitum (Kirk e Raven).

Independentemente das explicações matemáticas para semelhante paradoxo (e é verdade que matemáticos famosos lhe dedicaram a atenção), interessa-me a teoria do espaço que está aqui implícita: a de que ele é infinitamente divisível. Ou seja, entre um ponto A e um ponto B, há uma tal infinidade de pontos, de passos, de distâncias... que, no limite, não há movimento. É esse, aliás, o objectivo de Zenão: demonstrar que todo o movimento é ilusório.
O actual modelo de avaliação dos professores (ensinos básico e secundário) é de tal forma "burocratizado", implicando uma infinidade de pontos, passos, distâncias, procedimentos, normas... para chegar ao ponto B (se chamarmos assim ao ensino-aprendizagem) que se revela uma perfeita demonstração do paradoxo de Zenão: mesmo quando parece que se está a mexer, que se corre muito de um lado para o outro, o que existe, na prática, é a imobilidade.

A burocracia imobiliza o desejo. Onde medra a norma, a ética definha.

E, no entanto, para alguns, trata-se apenas de transpor o limiar do ADMIRÁVEL MUNDO NOVO.




6.3.08

Música ambiente

Ela: "Como consegues estar em casa sem música?"

Eu: "Desligo o rádio para ouvir... a música ambiente".

É verdade que sem música, como dizia Niezsche, a vida seria insuportável. O que acontece é que nos habituámos de tal forma à música "instrumental" que nos esquecemos de que a própria natureza nos "dá" música. Claro: nós damos-lhe o ouvido e a predisposição.

Há momentos em que me canso de ouvir Mozart(eu que gosto tanto de Mozart), de ouvir Bach(mesmo que me encha a alma) ou até Messiaen (que procurou imitar o canto dos pássaros).

Há momentos em que prefiro mesmo ouvir os pássaros. Se não não há pássaros em volta, oiço o vento que brisa ou que sopra. Nestes últimos dias, o vento tem soprado muito. Se não há vento, há outros ruídos. O mundo está cheio de sons e ruídos diversos.

Como o carteiro de Pablo Neruda, que "colheu", da natureza, alguns sons para enviar ao poeta, ou John Cage, que fez silêncio por alguns minutos, para que se ouvisse o som ambiente, ou Erik Satie, que elevou o "intervalo" à dignidade da música... eu desligo, às vezes, o rádio ou o CD para escutar a música ambiente.

E não me refiro, como é óbvio, à música criada com esse nome, a qual é apenas uma tela a mais, encobridora, para que não possamos escutar... a verdadeira música ambiente.

Claro que, outras vezes, também me canso da música ambiente...