8.1.08

Dar tempo ao tempo

Há uma experiência mais ou menos trivial, a que tive a ocasião de assistir ainda recentemente, que consiste no seguinte: alguém faz uma pergunta a uma criança e, se ela não responde logo e com presteza, fazendo por assim dizer um compasso de espera (que bonita expressão para medir o incomensurável do tempo!), os adultos - ou alguns adultos, para ser justo - apressam-se a responder por ela, como se não suportassem aquele momento de silêncio, de vazio, que faz ex-sistir o tempo enquanto...tempo.

Na verdade, é ainda o "horror do vazio", da não resposta, do silêncio o que angustia aqui estes adultos. O silêncio faz surgir um sujeito não completamente objectivável (por exemplo a criança que não responde logo), mas que gostaríamos de reduzir a um objecto (um alter ego nosso, que falasse como nós, segundo o mesmo compasso).

Não é tanto o silêncio dos espaços infinitos, como diria Pascal, o que aí nos incomoda, mas a possibilidade de que esse silêncio fale, por assim dizer, que diga algo...que não gostaríamos de ouvir. O silêncio incomoda porque ele, em vez de ser uma ausência de fala, é uma das suas formas mais eloquentes. Só aquele que tem o dom da fala, tem, igualmente, o dom do silêncio.

Experimentemos, então, não encher apressadamente o vazio que o silêncio cava no tempo. Demos tempo...ao tempo! E, já agora, às crianças que não respondem logo e traçam um compasso de espera...

15 comentários:

Anónimo disse...

Este texto ou este trema devia ser obrigatório nas aulas de jornalismo. Mas será que há aulas de jornalismo? E se houver aulas, não há tempo, claro!
amp

Anónimo disse...

«tema» e não «trema», desculpem. Donde se prova que «nem todos os que riem das algemas são livres», como diria B. Pasternak. amp

Filipe Pereirinha disse...

Onde se prova, também, que é a "trama" da fala que nos dá o "tema", nos "trama" e, às vezes, nos faz "tremer"...
Um abraço

Unknown disse...

gosto especialmente deste tema, o tempo e o tempo que lhe devemos dar. Porquê? Porque é do vazio que muitas vezes surgem boas surpresas e revelações. É tempo que damos para que nos surprrendam.

Filipe Pereirinha disse...

Ou para surpreendermos...
Um abraço e obrigado pela visita e pelo comentário
F.P.

Anónimo disse...

Creio que fruir o silêncio não é algo que todos gostem. Tal como dizes, nem sempre o silêncio significa ausência da fala.O que acontece e o que torna o silêncio mais incomodativo, é não perceber o que o outro pensa (pois não verbaliza). Fica-se desprevenido, meio perdido com o efeito que o silêncio do outro causa em nós. Creio que o silêncio, em determinadas alturas, é mais importante do que a fala. Faz-nos crescer.

Filipe Pereirinha disse...

Gosto de pensar o silêncio como um dom da fala, isto é, uma graça apenas concedida aos falantes...Dos animais que não têm o dom da fala, não dizemos que estão calados ou em silêncio. Também "crescem", mas não no mesmo sentido, evidentemente...

Anónimo disse...

Saudações caro Filipe Pereirinha.

Não estará no seu ultimo comentário a limitar o conceito da fala. Não é também verdade que, apesar das diferenças evidentes relativamente à nossa fala, o ladrar de um cão ou o miar de um gato são também formas mais ou menos complexas de comunicação?

Os animais, (como cães, gatos e outros com capacidades para tal), também podem estar "calados ou em silêncio" e, alguns, podem de igual forma criar compassos de espera até responder a um determinado estímulo.

Filipe Pereirinha disse...

Caro João Carvalho:

Acontece que a fala não é só veículo de comunicação, mas também, parafraseando um reputado filósofo, "casa do ser".

Os outros animais - até prova em contrário - podem "falar" ou "estar em silêncio" (por analogia), mas não falar por meio do silêncio ou calar-se por meio da fala.

Claro que os animais "domésticos" (d'homesticos)sofrem, de alguma forma, sismo de viver perto ou à sombra da fala dos homens...
Um abraço

Anónimo disse...

Caro Filipe Pereirinha,

não pode no entanto ignorar toda a comunicação implicita na "linguagem corporal" que é a que, estando em silêncio, leva ao entendimento dos estados de alma e que é transversal aos humanos e a outras espécie.

E veja que falo de cães e gatos mas podia ter falado de espécies de animais com linguagem verbal e não verbal bastante mais desenvolvidas, como por exemplo os simios.

Filipe Pereirinha disse...

Há animais surpreendentes...

Anónimo disse...

Caro Filipe Pereirinha,

já Aristoteles afirmava que um cavalo não é mais nobre que uma aranha.
Todos somos animais surpreendentes. Cães, gatos, cavalos, macacos, eu e o meu caro blogger.

Anónimo disse...

A Natureza é surpreendente!...

Filipe Pereirinha disse...

Aristóteles dizia que todos temos uma "alma" (as plantas, vegetativa, porque vegetam; os animais, sensitiva, porque sentem; os seres humanos, intelectiva, porque, além de vegetarem a maior do tempo e sentirem outro tanto, às vezes também sofrem da doença de pensar e, outras vezes,des-animam, isto é, ficam sem alma.O que o ser humano pode fazer com a alma (perdê-la ou ganhá-la, vendê-la ao diabo, dá-lo pelo corpo, o que não deveria acontecer segundo a canção do Abrunhosa, almá-la ou odiá-la...) é surpreendente.

Anónimo disse...

Absolutamente fantástico...como se, apenas, de tempo que o próprio tempo nos dá se tratasse. Tudo o que o tempo nos tira não é apenas tempo...