Há uma experiência mais ou menos trivial, a que tive a ocasião de assistir ainda recentemente, que consiste no seguinte: alguém faz uma pergunta a uma criança e, se ela não responde logo e com presteza, fazendo por assim dizer um compasso de espera (que bonita expressão para medir o incomensurável do tempo!), os adultos - ou alguns adultos, para ser justo - apressam-se a responder por ela, como se não suportassem aquele momento de silêncio, de vazio, que faz ex-sistir o tempo enquanto...tempo.
Na verdade, é ainda o "horror do vazio", da não resposta, do silêncio o que angustia aqui estes adultos. O silêncio faz surgir um sujeito não completamente objectivável (por exemplo a criança que não responde logo), mas que gostaríamos de reduzir a um objecto (um alter ego nosso, que falasse como nós, segundo o mesmo compasso).
Não é tanto o silêncio dos espaços infinitos, como diria Pascal, o que aí nos incomoda, mas a possibilidade de que esse silêncio fale, por assim dizer, que diga algo...que não gostaríamos de ouvir. O silêncio incomoda porque ele, em vez de ser uma ausência de fala, é uma das suas formas mais eloquentes. Só aquele que tem o dom da fala, tem, igualmente, o dom do silêncio.
Experimentemos, então, não encher apressadamente o vazio que o silêncio cava no tempo. Demos tempo...ao tempo! E, já agora, às crianças que não respondem logo e traçam um compasso de espera...
15 comentários:
Este texto ou este trema devia ser obrigatório nas aulas de jornalismo. Mas será que há aulas de jornalismo? E se houver aulas, não há tempo, claro!
amp
«tema» e não «trema», desculpem. Donde se prova que «nem todos os que riem das algemas são livres», como diria B. Pasternak. amp
Onde se prova, também, que é a "trama" da fala que nos dá o "tema", nos "trama" e, às vezes, nos faz "tremer"...
Um abraço
gosto especialmente deste tema, o tempo e o tempo que lhe devemos dar. Porquê? Porque é do vazio que muitas vezes surgem boas surpresas e revelações. É tempo que damos para que nos surprrendam.
Ou para surpreendermos...
Um abraço e obrigado pela visita e pelo comentário
F.P.
Creio que fruir o silêncio não é algo que todos gostem. Tal como dizes, nem sempre o silêncio significa ausência da fala.O que acontece e o que torna o silêncio mais incomodativo, é não perceber o que o outro pensa (pois não verbaliza). Fica-se desprevenido, meio perdido com o efeito que o silêncio do outro causa em nós. Creio que o silêncio, em determinadas alturas, é mais importante do que a fala. Faz-nos crescer.
Gosto de pensar o silêncio como um dom da fala, isto é, uma graça apenas concedida aos falantes...Dos animais que não têm o dom da fala, não dizemos que estão calados ou em silêncio. Também "crescem", mas não no mesmo sentido, evidentemente...
Saudações caro Filipe Pereirinha.
Não estará no seu ultimo comentário a limitar o conceito da fala. Não é também verdade que, apesar das diferenças evidentes relativamente à nossa fala, o ladrar de um cão ou o miar de um gato são também formas mais ou menos complexas de comunicação?
Os animais, (como cães, gatos e outros com capacidades para tal), também podem estar "calados ou em silêncio" e, alguns, podem de igual forma criar compassos de espera até responder a um determinado estímulo.
Caro João Carvalho:
Acontece que a fala não é só veículo de comunicação, mas também, parafraseando um reputado filósofo, "casa do ser".
Os outros animais - até prova em contrário - podem "falar" ou "estar em silêncio" (por analogia), mas não falar por meio do silêncio ou calar-se por meio da fala.
Claro que os animais "domésticos" (d'homesticos)sofrem, de alguma forma, sismo de viver perto ou à sombra da fala dos homens...
Um abraço
Caro Filipe Pereirinha,
não pode no entanto ignorar toda a comunicação implicita na "linguagem corporal" que é a que, estando em silêncio, leva ao entendimento dos estados de alma e que é transversal aos humanos e a outras espécie.
E veja que falo de cães e gatos mas podia ter falado de espécies de animais com linguagem verbal e não verbal bastante mais desenvolvidas, como por exemplo os simios.
Há animais surpreendentes...
Caro Filipe Pereirinha,
já Aristoteles afirmava que um cavalo não é mais nobre que uma aranha.
Todos somos animais surpreendentes. Cães, gatos, cavalos, macacos, eu e o meu caro blogger.
A Natureza é surpreendente!...
Aristóteles dizia que todos temos uma "alma" (as plantas, vegetativa, porque vegetam; os animais, sensitiva, porque sentem; os seres humanos, intelectiva, porque, além de vegetarem a maior do tempo e sentirem outro tanto, às vezes também sofrem da doença de pensar e, outras vezes,des-animam, isto é, ficam sem alma.O que o ser humano pode fazer com a alma (perdê-la ou ganhá-la, vendê-la ao diabo, dá-lo pelo corpo, o que não deveria acontecer segundo a canção do Abrunhosa, almá-la ou odiá-la...) é surpreendente.
Absolutamente fantástico...como se, apenas, de tempo que o próprio tempo nos dá se tratasse. Tudo o que o tempo nos tira não é apenas tempo...
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