O número de Novembro de 2006 (Hors-série) da prestigiada revista Magazine Littéraire, é inteiramente dedicado ao tema do "nihilismo" (do latim, "nihil") e tem como subtítulo: "a tentação do nada" (la tentation du néant). É fácil verificar, pela quantidade (e qualidade) dos artigos consagrados ao "nihil-ismo", que o "nada" está longe de se reduzir a nada.
Num outro domínio, também o último número da revista "Actual", do Jornal Expresso (25 de Novembro de 2006), consagrava duas páginas (24-25) a uma estranha "doença" (anorexia) onde o "nada" tem a sua importância. Pela forma como se obstinam na manutenção desse "nada", faz supor que há aí "alguma coisa" mais importante e fundamental (a conseguir ou a manter) do que a (não) satisfação da necessidade. Lacan costumava dizer, por isso, que a anoréctica come nada.
Mas, para além dos aspectos clínico (como tratar o desejo e o gozo em presença) e ético (são postasem causa todas considerações "utilitaristas" do bem-estar), a anorexia coloca-nos ainda um interessante problema, digamos, "cultural". Na verdade, ao mesmo tempo que a cultura parece estar a sofrer um efeito de feminização cada vez mais acentuado (não só ao nível dos comportamentos, mas também dos discursos), a anoréctica recusa precisamente a feminização do corpo. Todos os traços (seios, ancas, nádegas...) e ocorrências (menstruação) que lembram que a menina está a devir mulher são progressivamente rasurados.
Num outro campo cultural, os dos criadores de moda, assiste-se também a uma certa rasura, desta vez em relação aos traços distintivos dos sexos, tornado-os cada mais indistintos, homogéneos, a-sexuados.
Não haverá uma certa ligação (não digo no sentido em que um seria o culpado do outro, como muitas vezes é sugerido) entre estes dois fenómenos: um deles recusando a diferença sexual e o outro a feminilidade?
Talvez seja preciso voltar a ler Freud!