29.1.06
De que "gozam" os portugueses
Escrevia José Saramago, num livro de crónicas, que nós, portugueses (pp. 159-161), para além de delegarmos muito, contentamo-nos com pouco. "Com três batatas no prato, futebol aos domingos, e feriados que calhem em dias da semana (com ponte, se possível), temos o português feliz. Somos sóbrios, de gostos simples, brandos nos costumes e amigos do nosso amigo - que nunca sabemos quem seja. Temos a vocação de uma boa vida, de uma vida regalada que com pouco se contenta. Somos bons e confiantes. Que Deus nos abençoe - que de nós não virá mal ao mundo. Nem bem."
Isto foi escrito no início dos anos setenta. Mudou alguma coisa, entretanto?
Talvez que este menu, se bem que não tenha mudado, já não mata a fome como dantes nem traz a felicidade.
Somos essencialmente os mesmos (o mesmo país em que nada acontece, como se diz, apesar da agitação), mas um pouco menos "simples" e com mais "complexos".
28.1.06
De que falamos quando falamos de amor
Esta pergunta do escritor R. Carver poderia servir de introdução à primeira encíclica papal de Bento XVI: Deus caritas est (Deus é amor)
É interessante que a encíclica comece por uma espécie de in-versão da frase de S. João onde se diz que o Verbo é amor; aqui começa por dizer-se que o amor é verbo, ou, mais à letra, que é, antes de mais, um problema de linguagem.
Dos termos gregos relacionados com o amor (eros, philia, agape), é sobretudo este último que é usado na bíblia, enquanto eros teria sido marginalizado; é pelo menos a crítica que muitos, em particular alguns filósofos, como Nietzsche, fazem ao cristianismo: como se este tivesse envenenado eros.
Mas será que o cristianismo destruiu verdadeiramente eros? É a pergunta de Bento XVI. O resto da encíclica é a resposta - negativa - a esta questão. É uma "história de amor" em duas partes.
É caso para dizer: a-deus Nietzsche. Deus (não) está morto. A religião triunfa, apesar do "império" da ciência.
http://www.vatican.va/phome_po.htm
É interessante que a encíclica comece por uma espécie de in-versão da frase de S. João onde se diz que o Verbo é amor; aqui começa por dizer-se que o amor é verbo, ou, mais à letra, que é, antes de mais, um problema de linguagem.
Dos termos gregos relacionados com o amor (eros, philia, agape), é sobretudo este último que é usado na bíblia, enquanto eros teria sido marginalizado; é pelo menos a crítica que muitos, em particular alguns filósofos, como Nietzsche, fazem ao cristianismo: como se este tivesse envenenado eros.
Mas será que o cristianismo destruiu verdadeiramente eros? É a pergunta de Bento XVI. O resto da encíclica é a resposta - negativa - a esta questão. É uma "história de amor" em duas partes.
É caso para dizer: a-deus Nietzsche. Deus (não) está morto. A religião triunfa, apesar do "império" da ciência.
http://www.vatican.va/phome_po.htm
23.1.06
Freud explica...?
Se alguém se sentir hoje - dia 23 de de Janeiro de 2006 - muito deprimido, saiba que a ciência explica.
Com efeito, segundo um matemático inglês, hoje é o dia mais deprimente do ano. Introduzindo um conjunto de variáveis - clima, dinheiro, expectativas, etc. - ele chegou a este resultado objectivo.
Por isso, segue o que sentes e consola-te por saberes cientificamente que não estás só na tua depressão. Não estamos sós.
18.1.06
Política e publicidade
Nas democracias representivas, a política já não consegue chegar aos cidadãos a não ser através da publicidade. (Cf. Jacques-Alain Miller, "Lacan et la politique", in Jacques Lacan, psychanalyse et politique, Cités, 2003).
Ora, acontece que a publicidade - apesar de ter um "poder" cada vez maior nas nossas sociedades - não tem "política", se entendermos esta como a arte ou a ciência do bem comum (da polis).
Sendo assim, o paradoxo é que a política depende cada vez mais do seu contrário.
Mas tal como na publicidade - que aumenta, de dia para dia, em sofisticação "formal" (para não dizer estética, pois aí tenho dúvidas) - também em relação à "publidade da política" é cada vez mais habitual a prática do zapping: quando entram em cena os candidatos, muda-se de canal.
É por isso que se ouve dizer com frequência, a propósito da campanha e pré-campanha para as presidenciais : "É muito tempo! Isto já devia ter acabado!"
Ora, acontece que a publicidade - apesar de ter um "poder" cada vez maior nas nossas sociedades - não tem "política", se entendermos esta como a arte ou a ciência do bem comum (da polis).
Sendo assim, o paradoxo é que a política depende cada vez mais do seu contrário.
Mas tal como na publicidade - que aumenta, de dia para dia, em sofisticação "formal" (para não dizer estética, pois aí tenho dúvidas) - também em relação à "publidade da política" é cada vez mais habitual a prática do zapping: quando entram em cena os candidatos, muda-se de canal.
É por isso que se ouve dizer com frequência, a propósito da campanha e pré-campanha para as presidenciais : "É muito tempo! Isto já devia ter acabado!"
16.1.06
Cento e cinquenta anos depois
Freud completaria este ano, se estivesse vivo, 150 anos.
O Magazine Littéraire (nº 449, Janeiro de 2006) abre as comemorações com um dossiê, bastante oportuno, sobre a "história da psicanálise através do mundo".
Na introdução, Jean-Louis Hue situa bem o problema ao pôr em confronto não apenas duas práticas "terapêuticas" que hoje se digladiam (as terapias cognitivo-comportamentais e a psicanálise), mas também e sobretudo duas "visões" do homem: uma que o tenta reeducar e uniformizar e outra que se afirma - nas palavras do autor - "como uma forma de resistência essencial: defendendo um sujeito livre" (p. 3).
Uma liberdade paradoxal, acrescentaria eu.
11.1.06
Os três EFES
10.1.06
O terceiro sexo
Homens "feminizados", mulheres "virilizadas": eis o que ganha terreno e audiência no espaço mediático.
O efeito (ou o desejo que o sustenta) é um progressivo esbatimento da diferença sexual, como se a milenar "guerra dos sexos" tivesse um estranho desfecho: a recíproca transformação dos beligerantes. Sem adversário não há guerra. É um sonho.
Livros, filmes, programas televisivos: tudo serve para dar a ver esta nova "metamorfose" bem pouco kafkiana de tão rotineira. Vamo-nos habituando a este novo "real".
A anatomia é cada vez menos o destino.
9.1.06
Publixação
Em Portugal, os grandes autores e as grandes referências ou não se publicam, ou não se lêem, ou não têm efeitos. Não fazem "acontecimento", como diria José Gil na esteira de Deleuze.
No entanto, parece que os números dizem que se publica cada vez mais. Há novos editores. Provalvelmente novos leitores.
Como explicar este paradoxo?
Eis a meu contributo para a reflexão: publica-se cada vez mais...para o lixo. Publixa-se.
Coisas breves, sem muitas "calorias", facilmente digeríveis, pois é preciso digeri-las bem para andar bem consigo e com os outros. Coisinhas pequeninas que dão um suplemento de "gozo" (bem doseado) à "vidinha" em que nos está a transformar o discurso "médico-científico". Coisas doces sem acúcar. Diet. Ligt. Soft.
É a preocupação com a "leveza". Até o director do Diário de Notícias , hoje, em entrevista à TSF, dizia que uma das características da nova cara do Jornal é ser mais leve e arejado.
Basta entrar numa grande superfície para ver que não há praticamente diferença entre os livros expostos e cebolas, alhos ou batatas. Coisas para consumir e...obrar.
Daqueles autores e daqueles livros que nos davam um murro no estômago quando os abríamos, quase nem se ouve falar. São demasiado "pesados"e indigestos para o tempo que corre.
2.1.06
Uma época sem vergonha
De um ponto de vista "analítico", mais do que julgar moralmente os acontecimentos (já Nietzsche, o filósofo, pugnava por uma interpretação para além do bem e do mal), importa destacá-los como "sinais" ou significantes do tempo, como reveladores de algo que muda ou que está a mudar, e suas implicações para o sujeito ou o homem desse tempo.
Um desses sinais reveladores é o fenómeno crescente de "exibicionismo" que parece contaminar todos os domínios, de que a televisão e a Internet são exemplos paradigmáticos na medida em que promovem ou espelham essa tendência no seu grau mais elevado.
Um exemplo disto é o afã com que se mostram, divulgam, publicam, publicitam, exibem...hoje aquelas "coisas" que tradicionalmente havia pudor em revelar, sendo, por isso, guardadas numa gaveta da alma, bem longe dos olhares indiscretos; excepcionalmente, algumas pessoas privilegiadas poderiam ter acesso a essas "intimidades".
O que mudou, entretanto, foi que passamos de uma época em que havia pudor em revelar, mostrar ou exibir certas coisas para uma época em que é "pudor" não as revelar, mostrar ou exibir.
Adiantamo-nos, assim, ao enigma no desejo do Outro propondo-lhe uma resposta: vê!
(Uma intimidade: dizia-me alguém, recentemente, que já não consegue abrir todos os e-mails que enchem quotidianamente a sua caixa de correio electrónico e ver todas as imagens - supostamente interessantes - que lhe dão a ver. Assim, a uma nova modalidade de gozo acrescenta-se uma nova forma de angústia).
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